Ataque ao grupo "Mulheres Unidas contra Bolsonaro" foi atestado de burrice
Leonardo Sakamoto
16/09/2018 12h56
Tão logo o grupo "Mulheres Unidas contra Bolsonaro", no Facebook, foi atacado e teve seu nome, identidade e conteúdo alterados para parecer que prestava apoio ao ex-capitão, as redes sociais e aplicativos e mensagens foram tomadas pela indignação de mulheres. Mas também houve manifestações de militantes do candidato de extrema direita, comemorando o saída do grupo do ar, principalmente homens. Dependendo da bolha digital em que você está, viu um tipo de reação ou outro.
O grupo se tornou, nos últimos dias, um fenômeno de crescimento, com mais de 2,4 milhões, tanto que estava sofrendo ameaças e intimidações. De acordo com a pesquisa Datafolha, divulgada nesta sexta (14), a rejeição de Jair Bolsonaro é maior entre as mulheres (49%) – mesmo índice da pesquisa de segunda (10). Enquanto isso, a rejeição entre os homens oscilou de 37% a 38%. Ou seja, metade do eleitorado feminino afirma que não vota no deputado de jeito nenhum.
Após o ataque, o Facebook suspendeu o grupo após detectar "atividade suspeita" e, segundo comunicado distribuído por porta-voz da empresa, "esclarecer o que aconteceu" e "restaurar o grupo às administradoras". Ao contrário de boatos que estão circulando na rede, ele surgiu e cresceu como "Mulheres Unidas contra Bolsonaro", não tendo sido convertido a partir de outro. Novo comunicado no começo da tarde deste domingo (16), informou que o "grupo foi restaurado e devolvido às administradoras".
Entre as mensagens vindas de perfis masculinos que comemoravam o ataque, variações de "calamos a boca dessas vadias".
Poucas coisas podem ser mais representativas da expressão "um tiro no próprio pé" do que esse tipo de celebração. Aliás, poucas coisas podem dar mais errado do que, neste momento, em que movimentos de mulheres assumem o papel de principal força mobilizadora, no Brasil e no exterior, alguém tentar calar a boca de mulheres ou comemorar que isso aconteceu. O resultado é o oposto: você multiplica as vozes silenciadas.
Quem celebrou o ataque não conta, apenas, com uma incapacidade de conviver com as regras do jogo democrático, vencendo através do debate de ideias ao invés de cala-las. É imaturo e incapaz de entender como funciona a dinâmica social. O grupo já estava sendo usado como plataforma para transformar a indignação que se aglutinou pela rede em atos agendados em todo o país, com centenas de milhares de pessoas confirmadas. Agora, diante da indignação, os atos tendem a ser ainda maiores.
Há grupos de rapazes que acreditam que estão sendo revolucionários e contestadores ao celebrar esse tipo de ataque, quando, na verdade, agem de forma ultraconservadora e reacionária. Acham que exalam o perfume da novidade, mas fedem a um mofo de séculos. Parte desses jovens costuma abraçar esses discursos como reação às tentativas de inclusão de grupos historicamente excluídos. Eles viram que a luta por direitos iguais por parte de suas colegas de classe ou de coletivos feministas em suas escolas está significando, para eles, uma perda de privilégios que hoje nós, homens, temos. Nesse contexto, influenciadores digitais, formadores de opinião, guias religiosos e políticos oportunistas ajudaram a fomentar, com seus discursos irresponsáveis, respostas opressoras dos rapazes à luta das moças pelo direito básico a não sofrerem violência.
Muitos homens estão insatisfeitos e se veem acuados diante do discurso de que muito do que lhes foi ensinado no que diz respeito aos seus direitos, deveres e limites agora precisa ser revisto para incorporar necessárias mudanças. Não aceitam críticas e dizem que é necessário reagir às mudanças. Todos nós, homens, fomos criados no machismo, em maior ou menor grau, e temos um longo caminho para a desconstrução. Mas uns, não satisfeitos em negar o processo de libertação de si mesmos, querem também impedir o de outras.
"Calamos a boca dessas vadias." Na verdade, nós homens, fazemos muitos mais do que isso. Em 2017, foram registrados 60.018 estupros, 1.133 feminicídios, 4.539 mulheres vítimas de homicídios e 221.238 registros de lesão corporal dolosa em violência doméstica, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entre 2001 e 2016, as notificações de estupro coletivo saltaram de 1.570 para 3.526, são, em média, dez casos por dia. Um em cada três brasileiros acha que a afirmação "A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada" está correta. Não há paz em uma sociedade em que 85% das mulheres têm medo de serem estupradas.
Parte da rejeição maior das mulheres a Bolsonaro deve-se à defesa, por parte do candidato, de pautas como o armamento da população e à sua retórica mais agressiva, que encontram mais eco entre homens. Mulheres apresentam um posicionamento mais crítico a esse discurso – até porque, para cada morto, ferido ou preso, ficam filhas, mães, irmãs, esposas, que acabam sendo obrigadas a também viverem esses dramas. Quando não são elas próprias as vítimas.
Parte por conta de suas declarações misóginas. Como a que diz que a diferença salarial de homens e mulheres na mesma função é uma não-questão eleitoral. Ou quando disse que a deputada Maria do Rosário "não merecia" ser estuprada por que ele a considera "muito feia" e, por conta disso, tornou-se réu no Supremo Tribunal Federal. Ou ainda por ele ter dito que "Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher".
Nós, homens, pensaríamos duas vezes antes de falar e agir de forma machista, preconceituosa e violenta se tivéssemos medo de sermos criticados, repreendidos e humilhados publicamente também por outros homens. Mas, infelizmente, não atuamos para qualificar esse debate publicamente. Nós, homens, temos a responsabilidade de educarmos uns aos outros, desconstruindo nossa formação machista, explicando o que está errado, impondo limites ao comportamento dos outros quando esses foram violentos, denunciando se necessário for. Isso diz respeito a todos nós, da direita à esquerda, pois a ignorância não é monopólio de ninguém.
O saldo do ataque foi deixar muitas mulheres mais irritadas ainda, empurrando mais gente para as manifestações de rua contra Bolsonaro. Ou seja, o responsável prestou um grande desfavor ao seu candidato.
Post alterado para corrigir "página" por "grupo" de Facebook, às 16h30, do dia 16/09/2018.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.