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Mantendo ritmo de polêmicas, Mourão vai criticar Lei Áurea antes da eleição

Leonardo Sakamoto

27/09/2018 16h17

Aliados: Jair Bolsonaro, Levy Fidelix e Antonio Hamilton Mourão. Foto: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo

O general da reserva Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, criticou o pagamento de 13o salário e de adicional de férias em palestra a empresários, em Uruguaiana (RS), nesta quarta (26). E prometeu a uma plateia de empresários e associações de empregadores que, se eleitos, haverá uma nova Reforma Trabalhista.

Diante da repercussão negativa da declaração e de críticas do próprio Bolsonaro, ele recuou. Primeiro, disse ter sido mal interpretado – o que é uma ofensa à inteligência e aos ouvidos dos brasileiros, pois tudo estava gravado. Depois afirmou à Folha de S.Paulo que se referia a problemas de gerenciamento que levam empresários e até governos a atrasarem ou não pagarem os benefícios. A campanha deseja que o general fique quieto até a votação de 7 de outubro.

"Temos algumas jabuticabas que a gente sabe que é uma mochila nas costas de todo empresário. Jabuticabas brasileiras: 13º salário. Se a gente arrecada 12, como é que nós pagamos 13 [salários]?", disse Mourão aos empresários.

Vale ressaltar que a "jabuticaba" do general também dá em outros países, como Portugal e México. E essa "jabuticaba" é responsável por aquecer a economia: quando o trabalhador o recebe, não investe em fundo de renda fixa, mas gasta tudo no final do ano. Seja para pagar dívidas, seja para comprar produtos. O que gera mais empregos, mais lucros ao empresariado e mais arrecadação.

E ele foi além: "É complicado, e é o único lugar em que a pessoa entra em férias e ganha mais, é aqui no Brasil. São coisas nossas, a legislação que está aí, é sempre aquela visão dita social, mas com o chapéu dos outros, não é com o chapéu do governo".

Mourão pode ser chamado de muita coisa, menos de incoerente.

Acabar com o 13o salário e o adicional de férias alteraria o artigo 7o da Constituição Federal, que trata dos direitos trabalhistas. A proposta nunca, mas nunca mesmo, passaria por uma Assembleia Constituinte eleita pelo povo. Mas Mourão já deu a solução para isso no dia 13 de setembro: criar um "conselho de notáveis", sem voto popular, para reescrever a Carta Magna. Ele considera a atual, promulgada em 1988, ruim.

E se a população, indignada com a perda de direitos, se rebelasse e fosse às ruas com greves gerais, paralisando o país?

Mourão também deu a solução para isso no dia 7 de setembro. Admitiu que, na hipótese de um presidente da República considerar que o país entrou em situação de anarquia (o que é bastante subjetivo), o mandatário pode dar um "autogolpe" de Estado com o apoio das Forças Armadas. Daí, tá tudo resolvido para a honra e glória de uma parte do empresariado nacional e internacional.

Tão logo a análise estapafúrdia do seu candidato a vice repercutiu na imprensa, Bolsonaro a desautorizou, ciente do que ela estava causando. Chamou a proposta de "ofensa a quem trabalha":

"O 13° salário do trabalhador está previsto no art. 7° da Constituição em capítulo das cláusulas pétreas (não passível de ser suprimido sequer por proposta de emenda à Constituição). Criticá-lo, além de uma ofensa a quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição."

Mas o estrago já foi feito. E deixa várias dúvidas.

O general age por conta própria, como um lobo solitário atirando nos direitos dos outros, ou reflete o pensamento real de seu companheiro de chapa, mas que não pode vir a público agora sob risco de perda de votos?

Se for a primeira opção, o possível governo Bolsonaro já nascerá sob um véu de insegurança muito grande. Pois terá um vice que é desautorizado pelo próprio chefe quanto a direitos trabalhistas básicos. E um ministro da Fazenda que é desautorizado quando divulga seu desejo de recriar a CPMF em novo formato e reduzir Imposto de Renda de quem ganha mais, aumentando a desigualdade na cobrança do IR, sem consultar ninguém.

A segunda hipótese é corroborada pelo próprio Bolsonaro, que afirmou, em sabatina a empresários em julho: "o trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego". Ele se justificou, depois, dizendo que se referiu às leis que restaram na CLT após a Reforma Trabalhista de Michel Temer e não aos direitos previstos no artigo 7o da Constituição Federal. Novamente, a desculpa de ter sido mal interpretado.

Bolsonaro terá que toda semana desautorizar alguém? Um general, mesmo que da reserva, como Mourão, e outros tantos generais que ele prometeu colocar na Esplanada dos Ministérios vão aceitar ser desautorizados por um capitão reformado periodicamente? Nossa democracia aguenta tudo isso?

Por fim, ao questionar o direito aos trabalhadores terem um descanso com um adicional que traga algum conforto a uma vida difícil, o general nos lembra de outra declaração, que deu em 6 de agosto: "temos uma certa herança da indolência [vagabundagem, preguiça], que vem da cultura indígena. E a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso caldinho cultural".

Indolência e malandragem. Não é à toa que o programa de governo de Jair Bolsonaro tenha proposto revogar a principal legislação aprovada, nos últimos anos, para o combate ao trabalho escravo contemporâneo no país – a emenda constitucional 81/2014, que prevê o confisco de propriedades flagradas com esse tipo de mão de obra e sua destinação à reforma agrária e à habitação popular.

O item consta do programa de governo do candidato à Presidência da República: "Retirar da Constituição qualquer relativização da propriedade privada, como exemplo nas restrições da EC/81". Está entre as propostas propostas para "reduzir os homicídios, roubos, estupros e outros crimes".

Indo na toada atual, até o final da campanha eleitoral alguém dessa chapa vai propor a revogação da Lei Áurea. Para depois dizer que foi mal interpretado.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto