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Ao contrário do que defende Mourão, 13º salário é pago em vários países

Leonardo Sakamoto

28/09/2018 01h58

Montagem em cima de foto de Renato Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo

"Temos algumas jabuticabas que a gente sabe que é uma mochila nas costas de todo empresário. Jabuticabas brasileiras: 13º salário. Se a gente arrecada 12, como é que nós pagamos 13 [salários]?"

É comum usarem a jabuticaba, planta nativa da Mata Atlântica brasileira, como metáfora política de algo que só existe por aqui. Foi o que fez o general da reserva Hamilton Mourão, candidato a "vice-presidente" na chapa de Jair Bolsonaro, que usou a jabuticaba para criticar o 13º, afirmando que ele é coisa nossa.

Mas não, não é. Essa "fruta" não dá só no Brasil e nem é invenção tupiniquim.

"O 13º salário não é, absolutamente, uma 'jabuticaba' brasileira. Já existia na Europa, por exemplo, na Itália, por força do Decreto do Presidente da República 1070, de 1960, antes mesmo da sua introdução na legislação brasileira pela lei 4.090, de 1962", afirma Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e professor associado do Departamento de Direito do Trabalha da Faculdade de Direitos da USP.

"Em muitos países, decorre de lei nacional. Apenas para citar alguns exemplos, vejam-se os casos da Argentina (Lei de Contrato de Trabalho, artigo 121), Espanha (Estatuto dos Trabalhadores, artigo 31), Colômbia (Código Substantivo do Trabalho, artigo 306), Itália (Decreto del Presidente della Repubblica 1070/1960), México (Lei Federal do Trabalho, artigo 87), Panamá (Decreto de Gabinete 221/1971), Peru (Lei 27.735, artigo 1o), Portugal (Código do Trabalho, artigo 263), Uruguai (Lei 12.840, de 1960)", diz Feliciano, que também é juiz do Trabalho da 15a Região.

"Em outros países, como na Alemanha, não está previsto em lei federal, mas decorre de negociações coletivas nacionais com sindicatos, alcançado todos os trabalhadores subordinados, nos setores público e privado", explica.

No Brasil, ele foi criado sob o governo João Goulart, em julho de 1962. Antes, a gratificação natalina era facultativa para as empresas. A aprovacão não foi simples e demandou mobilização e manifestações, sendo considerada uma conquista histórica dos trabalhadores tão importante quanto o salário mínimo e as férias remuneradas.

A manchete do jornal O Globo de 26 de abril de 1962 – "Considerado desastroso para o país o 13º mês de salário" – mostra como empregadores e economistas profetizavam uma crise econômica caso a lei passasse. Contudo, ele não destruiu a economia brasileira, pelo contrário, tem ajudado a aquecê-la. Quando um trabalhador o recebe, raramente coloca para render, pelo contrário, gasta tudo. Seja para pagar dívidas, seja para comprar produtos. O que gera mais empregos, lucros ao empresariado, arrecadação.

Curiosidade: O processo que levaria ao golpe militar contra João Goulart começou na tarde de 31 de março de 1964 quando outro general Mourão, o Olympio Mourão Filho, marchou com suas tropas de Juiz de Fora, em Minas Gerais, para o Rio de Janeiro com o objetivo de depor o presidente. É irônico, portanto, que um general Mourão, neste caso o Hamilton Mourão, critique a lei trabalhista sancionada pelo presidente deposto por seu homônimo. Ainda mais irônico é que esse general admita a possibilidade das Forças Armadas se juntarem a um presidente para darem um "autogolpe", caso este considere que o país entrou em uma situação de anarquia.

Portanto, 13º salário não é jabuticaba.

Jabuticaba mesmo, segundo o atento presidente da Anamatra, "é nacionalismo militarista, ou seja, Estado máximo, com discurso ultraliberal, portanto Estado mínimo".

Já eu diria que é um lugar onde capitão acha que pode mandar general calar a boca.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto