Ao coagirem empregados a votar em Bolsonaro, patrões reinventam coronelismo
Leonardo Sakamoto
06/10/2018 13h26
Mais de 120 denúncias foram encaminhadas ao Ministério Público do Trabalho, nesta última semana, por trabalhadores que afirmam ter recebido pressão de seus empregadores para votar em determinados candidatos nas eleições.
(Não imaginei que, a esta altura da nossa história, teríamos que explicar que isso é proibido por lei.)
Do total de casos que foi totalizado pela instituição, os Estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul vêm apresentando a maior quantidade, segundo o MPT, reunindo 82,5% desse total. Ironicamente, a região Sul costuma acusar o Nordeste e o Norte de manter "currais eleitorais" e exercer o "voto de cabresto" por conta do coronelismo de grandes proprietários rurais.
Como resultado da ação dos procuradores do Trabalho, donos de empresas já tiveram que se retratar publicamente, garantindo que seus empregados não sofrerão nenhuma sanção.
Nos casos que se tornaram públicos, a justificativa dos empresários pegos tentando usar de seu poder econômico e de sua posição de comando para coagir foi que estavam apenas "exercendo sua liberdade de expressão". Um empresário pode divulgar seu voto em redes sociais e na imprensa sem problema algum. O problema é ele não perceber o assédio moral que representa dizer em quem empregados deveriam votar e incluir, nesse processo, ameaças veladas.
O caso mais famoso foi o do dono da rede de lojas Havan, que vem defendendo publicamente Jair Bolsonaro. Ele gravou um vídeo para reclamar de uma enquete realizada na empresa, dizendo que poderia deixar o país e fechar 15 mil postos de trabalho caso seu candidato não ganhe as eleições – o que gerou apreensão entre os trabalhadores.
O juiz do Trabalho Carlos Alberto Pereira de Castro atendeu ao pedido do MPT e proibiu o dono da Havan de influenciar o voto dos empregados, sob risco de multa de R$ 500 mil. O magistrado considerou que ele reeditou "voto de cabresto" ao tentar "impor a grupos de pessoas a escolha política ditada por uma pessoa dotada de maior poderio dentro de certas comunidades". Segundo ele, o empresário manteve uma "conduta flagrantemente amedrontadora" contra os empregados.
No vocabulário corporativo, a ideia de "compliance" está relacionada às regras que as empresas devem observar e cumprir. Ao contrário do que muitos imaginam, compliance não se resume ao combate à corrupção, mas também a obrigações fiscais, regulatórias, ambientais, concorrenciais e, claro, trabalhistas. Ou seja, não adianta defender o combate à corrupção e, depois, cometer assédio.
Em nota pública, o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, afirmou que é vedado ao empregador a prática de qualquer ato que obrigue o empregado "a seguir uma determinada crença ou convicção política ou filosófica, orientada pela organização empresarial" e afirma que o Ministério Público do Trabalho está à disposição para receber denúncias, anônimas ou não, que serão investigadas. O site é www.mpt.mp.br.
Segundo os procuradores do Trabalho ouvidos por este blog, os casos da Havan se repetem. As pressões em nome do candidato do PSL representam as principais reclamações.
Os casos que vieram a público também envolviam apoio ao ex-capitão. O presidente do conselho da indústria Kyly, de roupas infantis, em Pomerode (SC), por exemplo, reuniu os empregados em frente a empresa para manifestar apoio a Bolsonaro. A Tabacos D'Itália, de Venâncio Aires (RS), também terá que se retratar por coagir os empregados a votarem em Bolsonaro, também dizendo que vai fechar as portas se ele não ganhar, tendo assinado um Termo de Ajustamento de Conduta com o MPT. O presidente da rede de supermercados Condor, assinou compromisso semelhante por ter distribuído mensagem por WhatsApp e para os cerca de 12 mil empregados declarando voto a Bolsonaro e repudiando outros votos. Ele terá que informar que isso era posição pessoal, garantindo que não há pressão contra quem tiver posição diferente, nos mesmos canais.
Outro caso envolveu o presidente do Sesc, no Rio de Janeiro, que pediu votos na intranet da entidade aos empregados, afirmando "a todos aqueles que acreditam no seu trabalho" que sigam sua "recomendação". Diante da repercussão negativa, publicou novo texto solicitando para que cada um "vote com a sua própria consciência".
"O elemento primário desse tipo de liderança é o 'coronel', que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social."
O parágrafo acima foi publicado há exatos 70 anos no, hoje clássico, "Coronelismo, Enxada e Voto", de Victor Nunes Leal, que trata do sistema que foi o sustentáculo político da República Velha (1889-1930), em que grandes proprietários de terras controlavam o voto dos trabalhadores que deles dependiam. Após ver o fenômeno se atualizar através das rádios e TVs concedidas ilegalmente a políticos, agora temos empresários assediando por WhatsApp, vídeos nas redes sociais, comunicados internos ou "palestras" nas empresas em nome de seu candidato preferido.
O Brasil está resgatando suas tradições. O problema é que são as piores possíveis.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.