Ministro Moro: Bolsonaro nomeia mais um que não pode demitir
Leonardo Sakamoto
01/11/2018 13h51
Sérgio Moro ao lado do economista Paulo Guedes: duas trincheiras do governo Bolsonaro. Foto: Wilton Júnior/Estadão Conteúdo
Jair Bolsonaro convidou o juiz federal Sérgio Moro, peça-chave da operação Lava Jato, que se tornou conhecido pelo combate à corrupção e pelo antipetismo, para ministro da Justiça e da Segurança Pública. O magistrado disse sim nesta quinta (1). Segundo o presidente eleito, ele parecia um "jovem universitário recebendo seu diploma".
O convite tem o mesmo efeito, para Bolsonaro, que a escolha como vice-presidente do general da reserva Hamilton Mourão, que ostenta posições contundentes e é fonte inesgotável de declarações polêmicas, como aquelas sobre a possibilidade de autogolpe, a "indolência" de indígenas e a "malandragem" de afrodescendentes e o 13o salário jabuticaba.
E vai no mesmo sentido dos plenos poderes sobre a economia, o planejamento, o orçamento, a indústria, o comércio, o desenvolvimento e, talvez, a moeda e o câmbio conferidos ao economista Paulo Guedes, alguém considerado radical e imprevisível entre seus próprios pares neoliberais.
E de entregar o ministério da Defesa ao general da reserva Augusto Heleno Pereira, que conta com experiência em combate urbano por ter chefiado a missão de paz no Haiti. Ele, que é uma das pessoas que o presidente eleito mais confia, tem defendido que "direitos humanos são, basicamente, para humanos direitos" e o uso de atiradores de elite para abater criminosos que ostentam rifles.
Bolsonaro, como este blog cansou de repetir nos últimos três anos, pode ser tosco, mas não é burro. E está cercado de pessoas também politicamente espertas, por mais atabalhoadas que sejam. Cada indicação dessas é uma trincheira cavada para impedir ataques a partir do ano que vem.
Assim, é criada uma justificativa para que denúncias de corrupção envolvendo seu governo não colem tão facilmente. Afinal, Moro, enquanto prepara terreno para saltos ao Supremo Tribunal Federal ou ao próprio Palácio do Planalto, vai ser usado para "lavagem de marca" – com Bolsonaro repetindo que a corrupção está sendo combatida pelo ex-juiz, que para ele trabalha. Detalhe: a Controladoria-Geral da União, órgão responsável por combater a corrupção no governo deve ficar sob seu comando. O que é uma aberração, pois a CGU teria que ser independente, inclusive para fiscalizar o ministro da Justiça. Quem vigia os vigilantes?
Bolsonaro também se protege de tentativas futuras de impeachment. Afinal, se ele sair, é Mourão que entra em seu lugar. Isso, Mourão.
E se blinda da pressão do mercado, que também ajuda a derrubar governos. Afinal, Guedes, mais do que um "Posto Ipiranga" é seu avalista junto a bancos e investidores e a garantia de que uma privatização ampla deve acontecer.
E vale lembrar que conta com um mentor no ministério da Defesa, à frente, portanto, das Forcas Armadas. Que, durante a Nova República demonstraram compromisso democrático. Mas, convenhamos, não estamos mais na Nova República.
Assim, Bolsonaro fica livre para avançar em outras frentes. Seu bunker no Palácio do Planalto deve constituir uma espécie de "Ministério da Verdade", como no romance "1984", de George Orwell, destinado a ressignificar os registros históricos e qualquer notícia que seja contrária ao próprio governo. Como escreveu o criador do Big Brother (o do livro, não o reality): "quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado". Para tanto, sua máquina de guerra nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens vai continuar ligada e será devidamente usada para pressionar a imprensa, o Congresso Nacional e o STF.
O processo envolve formas de castrar a liberdade de ensino, de programas como o "Escola sem Senso Crítico" às intervenções na gestão das universidades. E ações serão tomadas pelo presidente não apenas para dar novo sentido ao período 1964-1985, do qual quer ser continuidade, mas também espalhar medo. O que inclui apontar para as liberdades conquistadas desde a Constituição de 1988 e dizer o quanto a sociedade está corrompida e degradada, precisando de refundação, e o quanto o "excesso de direitos trabalhistas" produz crise econômica. A mídia, seja a aliada ou a independente, irão dedicar jornalismo a esse show hipnotizante. Enquanto isso, do lado de dentro do bunker, muito riso.
Para tanto terá o apoio de um Ministério da Família, que deve substituir as áreas de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, entregue a alguém que despreza o Estado laico. Ironicamente, os programas sociais, como o Bolsa Família, que estão, hoje, sob o guarda-chuva do MDS, consideram as mulheres como responsáveis por receber os recursos, empoderando-as no núcleo familiar. Uma afronta a fundamentalistas.
Tantas trincheiras cavadas ajudam realmente a proteger o futuro governo Bolsonaro de ataques. Mas convém nunca esquecer que se muros altos cercados de fossos inexpugnáveis criam uma fortaleza também constróem uma prisão. Tudo depende do ponto de vista. Bolsonaro escolhe nomes que não poderá demitir, o que faz dele presidente e refém.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.