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Fim do Ministério do Trabalho vai desidratar a fiscalização de empresas

Leonardo Sakamoto

07/11/2018 15h25

Protesto de deputados da oposição na Câmara contra a aprovação da Reforma Trabalhista, em vigor desde novembro do ano passado. Foto: Luís Macedo/Câmara dos Deputados

O presidente eleito Jair Bolsonaro declarou, nesta quarta (7), a extinção do Ministério do Trabalho e a incorporação de suas funções "a algum ministério".

Além de coordenar as políticas de geração de emprego e renda, viabilizar o acesso a serviços e benefícios (como o registro profissional, o seguro-desemprego, abono salarial e a emissão de carteira de trabalho), mediar a relação entre empregadores nacionais e trabalhadores estrangeiros, presidir o conselho do FGTS e gerir o Fundo de Amparo ao Trabalhador, o ministério é responsável por fiscalizar o cumprimento das leis trabalhistas. E é essa a parte mais sensível dessa mudança.

O novo governo vai garantir apoio e recursos para que a fiscalização continue checando as condições de saúde, segurança e dignidade dos trabalhadores, corrigindo os problemas e autuando os responsáveis ou será desidratada para atender às demandas por "flexibilização" de setores econômicos e empresários que apoiaram a candidatura vencedora?

Durante a campanha, Bolsonaro criticou o enfrentamento ao trabalho escravo, fornecendo dados equivocados sobre a fiscalização. Disse que qualquer irregularidade trabalhista configura o crime e não a omissão do empregador em garantir um mínimo de dignidade. Chegou a citar, mais de uma vez, que quando uma trabalhadora grávida é exposta à aplicação de agrotóxicos, os fiscais consideram o caso como escravidão – o que não procede. De acordo com a área de fiscalização do Ministério do Trabalho, um caso como esse não configura trabalho análogo ao de escravo.

Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR), um dos principais conselheiros de Bolsonaro, também criticou – durante a campanha – o que ele chamou de "indústria da multa em cima de posições ideológicas e políticas". A bancada ruralista no Congresso Nacional tem, historicamente, criticado a fiscalização, demandando alteração da Norma Regulamentadora 31, que trata de critérios de saúde e segurança no trabalho no campo.

A subordinação da Secretaria de Inspeção do Trabalho à outra estrutura de governo que não tenha como objetivo principal zelar pelo cumprimento do contrato de compra e venda da força de trabalho vai fragilizar as condições do lado mais fraco. Ou seja, do trabalhador.

Uma das primeiras medidas a serem tomadas seria a instalação de instância superior de recursos de autos de infração com a presença de representantes empresariais, governamentais e de trabalhadores. Multas por trabalho escravo ou infantil, por exemplo, poderiam ser anuladas em uma votação com a anuência de governo e empresários, em um eterno 2 a 1 – ou 3 a 0, no caso da presença de supostos representantes de trabalhadores que representem apenas a si mesmos.

Outra medida que está sendo estudada é obrigar os auditores fiscais a atuarem como mediadores em acordos trabalhistas. Isso reduziria o tempo que dedicariam à sua principal atividade, a fiscalização do cumprimento das leis. Isso sem falar na implantação do "aviso de fiscalização" – proposta que os obrigaria a apenas alertarem quanto a um problema em uma primeira visita, como trabalho escravo e infantil, e autuar somente em caso de reincidência.

Mesmo a alocação da Secretaria de Inspeção de Trabalho no setor de fiscalização da Receita Federal e da Previdência também teria impactos. A fiscalização do trabalho não objetiva apenas ao pagamento de tributos e contribuições sociais e previdenciárias. Em momentos de crise econômica, o poder arrecadatório dessa fiscalização é importantíssimo, mas garantir direitos a quem está vivendo à margem da legislação envolve outras preocupações além de possibilitar que o Estado receba valores atrasados. A quantidade de competências demandadas de servidores públicos em um flagrante de trabalho infantil, por exemplo, vai muito além da aplicação de multas.

Seguindo por esse caminho, o governo Bolsonaro pode se consolidar como um grande reprodutor de medidas tão deletérias para a classe trabalhadora quanto ineficazes para melhorar o ambiente visando ao desenvolvimento econômico. Ao anunciar o fim do ministério do Trabalho, ele acaba adotando o modelo argentino de organização da administração do trabalho. No país vizinho, os efeitos diretos desse desmonte apontam para um aumento do número de conflitos, o que contribue para o estado de estagnação econômica. Com medo de que nos tornássemos uma Venezuela, vamos nos aproximando da Argentina, no trato dos conflitos do trabalho, e do México, em termos de violência urbana. Não por coincidência, ambos os países ilustram experiências recentes de desregulamentação das relações de trabalho.

De acordo com o IBGE, a taxa de desemprego no Brasil tem caído (lentamente), apoiada no crescimento do trabalho por conta própria e no trabalho informal. Nesse contexto, a inspeção é fundamental para impedir que o trabalhador pague o pato pela crise. Ressalte-se que, mesmo assim, a área sofreu, nos últimos anos, com o contingenciamento tanto de recursos financeiros (que dificultaram até o deslocamento de fiscais) quanto de recursos humanos (uma nota técnica do governo federal mostrou que o país tinha um déficit de 1190 auditores no ano passado).

É necessário combater a corrupção no ministério, o que ficou evidente nas diferentes etapas da Operação Registro Espúrio, que mostrou uma máfia na facilitação de registros sindicais. Mas isso não significa jogar o bebê fora com a água do banho.

Em sabatina a industriais em julho, Bolsonaro afirmou que "o trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego ou todos os direitos e desemprego". A depender de suas decisões sobre a fiscalização, o trabalhador nem precisará chegar nesse dilema porque saberá que não vai ter quem zele por sua qualidade de vida. O que indica que a prática de "ativismo" não vem de quem fiscaliza, mas de quem impede que isso aconteça.

Em tempo: Da mesma forma que acontece com o meio ambiente, importadores e investidores estrangeiros não titubeariam em ameaçar com barreiras comerciais não-tarifárias caso o Brasil descuidasse do combate ao trabalho escravo e infantil, por exemplo. Como já aconteceu anteriormente, por exemplo, na situação de carvoeiros superexplorados que forneciam para siderúrgicas. O próprio Donald Trump adotou o discurso de que não aceitará a concorrência desleal de produtos estrangeiros, produzidos com superexploração de seres humanos, competindo com mercadorias norte-americanas. Gostando ou não, a defesa dos direitos humanos e trabalhistas, por mais hipócrita que seja quando vem de alguns países que bombardeiam primeiro e investigam depois, vão ser cada vez mais usada para justificar barreiras. Se o país não se atentar a isso, e enfraquecer a fiscalização, perderá dinheiro.

Post atualizado às 16h25 do dia 07/11/2018 para inclusão de informações.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto