Reforma Trabalhista foi a maior propaganda enganosa do governo Temer
Leonardo Sakamoto
10/11/2018 09h40
Baseado nos argumentos utilizados pelo governo Michel Temer, por deputados federais e senadores de sua base de sustentação e por associações empresariais para defender a aprovação da Reforma Trabalhista, hoje o país estaria em situação de pleno emprego.
Nas peças publicitárias, nos releases à imprensa, nas entrevistas em programas de TV, uma reforma removeria todos os "entraves" para que uma torrente de leite e mel corresse pelo meio-fio das ruas e avenidas nas grandes cidades brasileiras e pelas estradas de chão no campo. E, correndo por elas, brilhantes unicórnios vomitariam arco-íris perfumados sobre as contas bancárias dos mais pobres.
Durante meses, acompanhei, no Congresso Nacional, um rolo-compressor de interesses econômicos atropelar a necessária discussão sobre a atualização na legislação trabalhista em nome de um projeto que facilitou a precarização da proteção à saúde e segurança do trabalhador. Qualquer tentativa de aprofundar a discussão era abortada. Propostas para realizar uma Reforma Sindical, que fortalecesse os bons representantes e desidratasse os picaretas antes da Reforma Trabalhista, com mudança na unicidade sindical, por exemplo, eram vistas com desdém.
Não havia espaço para o diálogo, apenas a pressa. Tanto que o Senado Federal abriu mão de seu papel de casa revisora, aceitando aprovar o texto que veio da Câmara dos Deputados sem modificações. Engoliram a mentira de que o governo se empenharia para retirar pontos com os quais os senadores não concordavam, como a possibilidade de gestantes e lactantes trabalharem em ambientes insalubres ou a garantia de que trabalhadores não seriam demitidos e contratados sob jornada intermitente sem uma quarentena de 18 meses. Temer publicou uma medida provisória que, depois, caducou e ficou por isso mesmo. A Presidência da Câmara dos Deputados, que não tinha interesse na MP, também não se esforçou em votá-la.
Afinal a Reforma Trabalhista não era um projeto para ser construído coletivamente, debatido com patrões e empregados, mas a entrega de uma encomenda, pagamento pelo apoio de parte do empresariado à troca de comando na República.
Ao analisar seu DNA, vemos que ela nasceu baseada em demandas apresentadas por confederações empresariais e grandes empresas junto com posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. A esse pacote inicial, somaram-se dezenas de propostas de parlamentares e de seus patrocinadores. Mais de 120 alterações foram feitas. Algumas boas, outras inócuas e um pacotão de maldades.
Previsões otimistas apontavam a criação de 2 milhões de postos de trabalho com carteira assinada, em 2018, antes do ano começar. Depois, o chute caiu para 20% disso.
O PIB cresce menos que o esperado, os empresários não tiveram confiança para investir, as eleições geraram incerteza, o mercado consumidor não reagiu e as políticas públicas não foram suficientes para fazê-lo reagir – há uma série de justificativas para explicar a situação. Mesmo o pífio crescimento deveu-se ao pequeno aumento do PIB e não às mudanças da reforma. Afinal, crescimento econômico é que gera emprego.
Uma mudança do tamanho de uma Reforma Trabalhista, que passou a valer há um ano, não impacta a realidade de uma hora para a outra. Mas os envolvidos em sua aprovação martelaram, dia e noite, nos veículos de comunicação, que era exatamente isso o que aconteceria. E a promessa de melhoria rápida do cenário do emprego foi usada para enganar a população desesperada por conseguir um serviço. Mais do que propaganda enganosa, a isso se dá o nome de chantagem. Das mais baixas.
Os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, divulgados pelo IBGE, apontam para uma população desocupada de 12,5 milhões, 27,3 milhões de trabalhadores subutilizados e 4,8 milhões de desalentados – que desistiram de procurar emprego porque sabem que não irão encontrá-lo. A taxa de desemprego tem caído lentamente apoiada no crescimento do trabalho informal e daquele por conta própria – como o aumento da venda de comida na rua. Ou seja, pessoas que perderam emprego vendem alimentação como ambulantes a pessoas que não podem mais pagar a conta em uma lanchonete ou restaurante. É o Brasil rumo à precariedade. Mas há quem bata palmas dizendo que isso é "empreendedorismo".
(Vale lembrar que o presidente eleito chamou de "farsa" a metodologia para cálculo do desemprego no Brasil e disse que iria alterá-la. Então, vale olhar bem para a realidade porque, a partir do ano que vem, ela pode estar interditada.)
Há fatores sazonais, como a dispensa dos empregados contratados para momentos específicos, safras e afins. Mas se a geração de vagas fosse forte e consistente, haveria retenção de pessoas com carteira assinada e o resultado seria positivo. Ou seja, hoje, o maior impacto negativo sazonal é o próprio governo.
Discute-se, e com razão, o estelionato eleitoral do governo Dilma Rousseff ao colocar em prática, no início de seu segundo governo, políticas econômicas que ela não havia prometido em campanha. Porém, o estelionato político da Reforma Trabalhista é algo do qual raramente se fala. Esse tipo desequilíbrio na punição dos pecados, que se tornou comum por aqui, vai acabar matando a República.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.