Corrupção no registro de sindicatos morre junto com Ministério do Trabalho?
Leonardo Sakamoto
03/12/2018 14h33
O futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que a área responsável por registros de novos sindicatos, hoje no Ministério do Trabalho, deve ficar sob a responsabilidade de Sérgio Moro, em um Ministério da Justiça e Segurança Pública anabolizado. "Uma parte [do Ministério do Trabalho] vai ficar com o ministro Moro. É aquela ligada à concessão de carta sindical, [área em que] a imprensa já registrou problemas e casos de corrupção", afirmou Onyx, nesta segunda (3).
Ele se referia à Operação Registro Espúrio, da Polícia Federal, que mostrou a existência de uma máfia envolvendo políticos, principalmente do PTB e do Solidariedade, para facilitar o registro de sindicatos. Até agora, já teve quatro etapas e, por conta dela, a Procuradoria-Geral da República apresentou denúncia contra 26 pessoas por organização criminosa, incluindo o presidente do PTB e ex-deputado Roberto Jefferson, os deputados Cristiane Brasil (PTB-RJ), Jovair Arantes, Nelson Marquezelli (PTB-SP), Paulinho da Força e Wilson Filho (PTB-PB) e o ex-ministro do Trabalho Helton Yomura.
O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, pediu uma análise para saber se há instituições sem representatividade que se beneficiaram e poderiam ter o registro cassado. Por que, para gente inescrupulosa, abrir um sindicato ou expandir sua área de atuação, vendendo "tranquilidade" a empresários, é um bom negócio.
A corrupção no Ministério do Trabalho, contudo, não é causada por conta do registro sindical em si. Para entender os verdadeiros problemas, é necessário dar um passo atrás e entender a situação imposta pela unicidade sindical. Pois, por conta dela, o registro fica com quem, afirmando ser o representante legítimo de uma categoria de trabalhadores em determinada região, mesmo que não seja, requisitá-lo primeiro junto ao Ministério do Trabalho. Paga-se propina para que um pedido passe na frente de outros, o que daria o direito de falar (e ganhar) em nome da categoria.
Mudar isso da área de Trabalho para o da Justiça pode não resolver o problema. Seria preferível atacar as causas da corrupção – o que é sempre mais efetivo do que lutar contra suas consequências. E a causa não é a venda das "facilidades", mas o sistema que permite que elas existam.
Se o governo Bolsonaro quiser resolver esse problema, bem como o da (falta de) representatividade dos sindicatos brasileiros, deveria fazer uma Reforma Sindical. Isso não interessa ao sistema político cartorial brasileiro, que loteia as instituições e abre guichês para vender facilidades e privilégios. E, claro, também não é vantagem para uma parte do poder econômico que surfa na estrutura atual, mantendo em sua órbita sindicatos fracos subjugados ou corruptos.
Durante o insuficiente tempo de discussão da Reforma Trabalhista, a questão sindical ficou restrita ao superficial debate sobre o fim da obrigatoriedade de que empregados paguem um dia de trabalho ao ano para o sindicato que os representam. Defendi várias vezes, neste espaço, o fim dessa cobrança – mesma posição de diversos sindicatos sérios há décadas. O ideal, contudo, seria um período mais longo de transição para que os sindicatos mais fracos e vulneráveis se reorganizassem.
Mas o pacote de mudanças não poderia ter parado por aí e deveria incluído o fim da unicidade sindical, via emenda à Constituição Federal. Ou seja, o fim da possibilidade de apenas um sindicato representando uma categoria por região. Afinal, o trabalhador tem o direito de escolher quem o represente.
Isso poderia desidratar sindicatos de fachada montados para que alguns ganhem dinheiro e patrões se divirtam – muitos deles registrados de forma, como se disse, espúria. Dessa forma, sindicatos podem concorrer entre si pelo privilégio de representar os trabalhadores, mostrando o seu diferencial. Isso reduziria o seu número a médio prazo e os fortaleceria. E possibilitaria, inclusive, que centrais sindicais participassem mais diretamente das negociações, compensando balanças desreguladas a favor de certos patronatos.
O programa de governo de Jair Bolsonaro propôs o fim da unicidade sindical. "Além disso, propomos a permissão legal para a escolha entre sindicatos, viabilizando uma saudável competição que, em última instância, beneficia o trabalhador. O sindicato precisa convencer o trabalhador a voluntariamente se filiar, através de bons serviços prestados à categoria. Somos contra o retorno do imposto sindical", afirma. Contudo, como negar o que disse no dia anterior tem sido uma marca de sua transição, é cedo para entender se e como ele buscará isso.
Negociações coletivas deveriam envolver os representantes de empregados e empregadores de todas as atividades de uma mesma cadeia de valor. E as conquistas obtidas pelos empregados diretamente contratados também valeriam sempre para os das empresas terceirizadas ou de seus fornecedores. Isso desestimularia a terceirização com o objetivo de ganhar competitividade baseado na superexploração de determinados grupos de trabalhadores.
E aproveitando essa Reforma Sindical, poderíamos também acabar com a contribuição obrigatória de bilhões para o sistema S. As associações empresariais defenderam o fim do imposto sindical porque a queda em sua arrecadação decorrente disso não seria expressiva. Afinal, a maior arrecadação das associações é através da contribuição obrigatória para o sistema S, que é de onde tiram seu poder de influência. Senac, Sesc, Senai e Sesi fazem um excelente trabalho, que deve continuar. Mas essa contribuição também deveria ser voluntária, além de mais transparente. Porque acaba sendo usada para o que não deveria.
Devemos incentivar as negociações entre empregados e empregadores sim e que o resultado delas possa prevalecer. Mas o projeto de Reforma Trabalhista proposto pelo governo Temer quis ampliar isso sem garantir que os dois lados estivessem em pé de igualdade. Em muitas categorias, com sindicatos fracos ou corruptos, já está sendo um massacre.
Para evitar isso e fomentar a livre negociação, precisamos ter duas coisas: primeiro, um patamar mínimo de regras, definido em lei, para garantir a saúde, a segurança e a dignidade do trabalhador. E, para chegarmos a esse patamar mínimo, uma grande discussão pública seria necessária, ao contrário de passar um rolo compressor em favor dos grandes empregadores. Segundo, temos que criar processos para fortalecer os bons sindicatos. Por isso, a meu ver, Reformas Sindical e Tributária deveriam preceder as Reformas Trabalhista e da Previdência.
Mas parte da população destila um ódio tão grande pelos sindicatos que é incapaz de entender que o sistema sindical precisa mudar, não desaparecer. Não raro, são trabalhadores que acreditam que a solução é confiar cegamente no patrão, porque ele é bem sucedido, então sabe o que faz. Isso não funcionou muito bem entre a galinha e a raposa. Mas quem se importa?
O mesmo erro é cometido ao bater palmas para o esquartejamento do Ministério do Trabalho, sob a justificativa de combate à corrupção e corte de custos. Isso tende a fragilizar setores como o da fiscalização do trabalho, responsável por monitorar e garantir direitos dos trabalhadores e combater o trabalho escravo e o infantil. Mas, novamente, quem se importa?
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.