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Maioria apoia educação sexual, mas o caminho contra o obscurantismo é longo

Leonardo Sakamoto

07/01/2019 14h33

O apoio à educação sexual nas escolas alcança 54% da população, de acordo com pesquisa Datafolha, divulgada nesta segunda (7). O número vai na contramão do que defendem o presidente da República e parte de seus apoiadores. Para eles, o problema do país são educadores que discutem o tema com os alunos em sala de aula. Ao que tudo indica, a maioria da sociedade entende que o problema concreto são meninas que ficam grávidas.

"Quem ensina sexo para a criança é o papai e a mamãe. Escola é lugar de aprender física, matemática, química. Fazer com que no futuro tenhamos um bom empregado, um bom patrão e um bom liberal. Esse é o objetivo da educação", afirmou Jair Bolsonaro em novembro. Se o percentual de 54%, por um lado, é um alento diante das possibilidades de retrocessos, por outro, mostra que ainda há muito a percorrer. Pois da internet, passando pela TV ao comportamento da própria família, tudo pode contribuir com a sexualização precoce. Já a escola pode orientar os jovens em meio a tudo isso.

Jovens vão começar a experimentar sexo antes do que a maioria dos responsáveis por eles imaginam. Proibir pura e simplesmente é tão inútil quanto defender a abstinência como método de contracepção, servindo apenas ao autoengano. Seguir a linha do negacionismo pode limpar a própria consciência, no melhor estilo do "a minha parte perante Deus, eu fiz" e agora a sorte está lançada. Mas só não é pior do que o engajamento em uma "cruzada" contra a educação sexual nas escolas.

Estes não apenas querem manter seus filhos e filhas na ignorância sobre seus próprios corpos, como atuam para que os dos vizinhos também não tenham acesso à informação e estejam vulneráveis às mesmas consequências. Sem conhecimento sobre si mesmo, o adolescente tende a estrear precocemente sua vida reprodutiva ou na fila de tratamento para doenças sexualmente transmissível incuráveis, como o HIV e o HPV.

Educação sexual que tem gerado frutos e conta com desafios. Partos de mães de 15 a 19 anos caíram de quase 630 mil (2007) para 476 mil (2017). De 20% a 16% em dez anos, de acordo com dados do IBGE. Já a taxa de detecção de HIV por 100 mil adolescentes homens de 15 a 19 anos subiu de 3%, em 2007, para 7%, em 2017, o que demanda reforço na conscientização desse grupo. Entre adolescentes mulheres, a taxa caiu de 4% para 3%.

A escola é o local do debate por natureza, capaz de iluminar posições preconceituosas e formas de violência que são passadas de pai para filho – e, aqui, a escolha do gênero não é aleatória. Não apenas há famílias que acreditam em crenças equivocadas, como a pílula anticoncepcional trazer infertilidade, mas também há aquelas que ensinam a seus meninos que "usar camisinha é coisa para frouxo" e, portanto, inaceitável. Ou que "quem manda numa trepada é o homem". Além de boatos como o famoso "HIV não pega em homem hétero".

As famílias que tratam desse assunto desde cedo com os filhos e filhas, da mesma forma que falam sobre álcool e outras drogas, não têm medo de educação sexual. Pelo contrário, consideram-na fundamental. Sabem que precisam de apoio diante da franca desvantagem diante de conteúdo que circula livremente na internet. Vivemos uma era em que crianças de sete anos já se alfabetizam em programação de código. Imagine se não vão ter acesso ao que quiserem, burlando controles impostos pelos mais velhos.

Enquanto isso, a defesa da educação sexual nas escolas é colocado na bacia da "ideologia de gênero", bandeira que os ultraconservadores criaram para defender que homens continuem mandando no corpo do restante da sociedade.

Durante a Contra-Reforma, lideranças lançavam ao fogo quem blasfemava e ia contra seus ensinamentos. No fundo, não era a fé e sua doutrina que estavam defendendo, mas a manutenção de sua hegemonia sobre a população.

Esse processo se repete ainda hoje com pessoas e movimentos que usam a justificativa da "moralidade" para atacar tudo que estiver em desacordo com sua visão de mundo, inclusive a ciência. Os mais inocentes acham que estão atuando em nome da vontade de Deus ou em defesa da família. Os mais espertos, que comandam o show ou sabem como dele se apropriar, querem promover sua imagem como "guardiões dos valores" de um determinado naco da população e serem vistos como sua "consciência crítica". Para quê? Ter poder sobre esse naco, aumentar sua capacidade de construir significados e sentidos coletivos.

No fundo, ninguém se importa em entender qual o impacto real de evitar educação sexual das escolas, lembrando que a maioria dos ataques ocorrem dentro de casa e por gente conhecida, principalmente a própria família, padres, pastores, médicos.

Dados do Ministério da Saúde mostram que, entre 2011 e 2017, foram notificados 58.037 casos de violência sexual contra crianças e 83.068 contra adolescentes. Entre as crianças, o principal tipo de violência foi o estupro (62%), seguido do assédio sexual (24,9%). O mesmo ocorreu entre os adolescentes, com estupro à frente (70,4%) e assédio sexual (19,9%). O dado mais relevante é que, entre as crianças, os perpetradores da violência são os próprios familiares (37%), seguidos por amigos e conhecidos (27,6%), desconhecidos (6,5%). A categoria "outros" representa 28,9%. Enquanto que, entre os adolescentes, os amigos e conhecidos (27,4%) estão à frente, seguidos pelos próprios parceiros (27,1%) e por um empate entre desconhecidos (21,8%) e familiares (21,7%). "Outros" perfazem 12,3%. A maioria dos casos de violência sexual contra crianças (69,2%) e adolescentes (58,2%) são cometidos na própria residência das vítimas. Ou seja, no local que elas consideravam seguro.

Importam-se com a perda do poder de sujeitar pessoas à sua vontade. E se a imposição do silêncio é uma de suas principais armas, a conversa franca e o diálogo honesto são as melhores formas de garantir aos adolescentes que libertem-se e tenham uma vida longa e feliz.

Procurar a construção do bem comum, garantindo-se a vontade da maioria contanto que seja preservada a dignidade das minorias, sabendo ouvir e nunca calar, é fazer política. Políticos e parte da sociedade conseguiram a proeza de mudar a percepção disso, dando espaço à ideia de que "fazer política é escroto", jogando fora o bebê com a água do banho. Ou seja, ao invés de tentarmos melhorar a política, reinventando as bases da democracia representativa, a saída sugerida é negar tudo o que ela representa e buscar alternativas rápidas, vazias e, não raro, autoritárias.

Por isso, é outro alento o fato que 71% dos brasileiros, também segundo o Datafolha, defendam assuntos políticos nas escolas. Ou seja, desejam que crianças e jovens tenham acesso às discussões sobre sua vida comum e possam se manifestar. Alento porque, neste momento, em que escolas são alvo de ódio e intolerância, mais do que nunca, precisaremos de gente que queira discutir como o Estado muda sua vida. E como fiscalizá-lo e cobrá-lo de perto.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto