Recuos mostram que governo precisa de um amigo sincero que lhe dê um toque
Leonardo Sakamoto
10/01/2019 12h39
Faria um bem enorme à nação se Bolsonaro contratasse um profissional com pleno acesso a ele e a alguns de seus ministros e que, a qualquer hora e em qualquer lugar, sem o risco de ser enxotado ou demitido, pudesse sussurrar aos seus ouvidos ou transmitir via ponto eletrônico um respeitoso "olha, vai dar merda".
Desde que assumiu a Presidência da República, no primeiro dia do ano, seu governo tem colecionado recuos. Claro que há uma certa condescendência para que novas gestões tenham tempo de arrumar a casa. E voltar atrás é também sinal de prudência e grandeza. O problema é que, quando ocorre com frequência, gerando ansiedade junto à sociedade e insegurança no mercado, passa a ser visto como incompetência, desleixo, falta de planejamento ou tilt comunicacional.
Por exemplo, a ideia genial de um convite para a instalação de uma base militar dos Estados Unidos em território brasileiro que acabou barrada na insatisfação sensata das Forças Armadas. Ou o já icônico anúncio de Bolsonaro sobre o aumento no IOF e redução da alíquota do Imposto de Renda, que causou um barata-voa na equipe econômica, produzindo uma declaração constrangedora do ministro-chefe da Casa Civil sobre um "equívoco" do presidente. Ou ainda a reforma agrária que desencarnou e, cinco dias depois, o Pai Incra trouxe a amada de volta. Diz ele, claro.
O caso mais recente foi a mudança em um edital, publicado no dia 2, que permitiu publicidade, reduziu critérios de qualidade e diminuiu a diversidade em livros didáticos a serem comprados pelo governo. Diante da repercussão negativa, o ministro da Educação de Bolsonaro afirmou, nesta quarta (9), que anularia a mudança e responsabilizou a gestão Temer pelo ocorrido. O ex-ministro da área, contudo, negou que tenha produzido tal doideira.
A tática de lançar balões de ensaio com propostas de medidas e leis para ver a reação das pessoas é velha na política. Mas ela aparecia na mídia na forma de uma informação de sondagens e estudos. Agora que o boato digital tornou-se o novo normal, o comportamento tem sido outro: integrantes do governo vazam uma informação confirmada a jornalistas e caso a repercussão seja péssima, volta-se atrás, vendendo para a militância nas redes sociais que tudo não passou de fake news da própria imprensa. Isso quando não desmentem o que eles mesmos disseram em público.
A nova estratégia tem obtido relativo sucesso. Porém, chega um momento em que isso deixa de funcionar. Você pode até culpar terceiros por suas falhas, mas apenas os militantes mais apaixonados continuam acreditando sem questionar. Outra parte da sociedade começa a perceber que o governo está simplesmente perdido.
Nem sempre há um Augusto Heleno, um Paulo Guedes ou um Sergio Moro ao lado para aconselhar. Considerando o perfil do presidente, além de combinar quem deve e quem não deve falar sobre certos assuntos, seria saudável deixar ideias descansando na gaveta por uma noite. Se de manhã ele os assessores constatarem que ela ainda estiver comestível, ótimo. Caso contrário, descarte-se.
Se houvesse ao menos um amigo sincerão, de poucas palavras, que não estivesse inebriado com o poder ou em pânico diante dele e que não batesse palma para tudo o que os chefes fizessem, daria um toque diante de ideias ruins, trapalhadas e confusões. Seria uma variação do "memento mori" dos auxiliares que lembravam os gloriosos generais de Roma de sua própria finitude.
Esse toque, contudo, só funciona se tudo isso não fizer parte de uma estratégia de manipulação da opinião pública. Daí, quem precisaria ter tido o amigão dizendo "olha, vai dar merda" seriam os eleitores.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.