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Povo não quer tuíte sobre ideologia, mas saber como o desemprego vai cair

Leonardo Sakamoto

11/01/2019 04h35

Foto: Adriano Machado/Reuters

Uma coisa é segurar a imagem de um candidato durante os poucos meses que duram uma eleição, usando doses cavalares de emoção anabolizada pelo clima de ultrapolarização irracional – que, no caso brasileiro, chegou ao limite de se materializar na forma de infames facadas. Tanto contra o então primeiro colocado nas pesquisas, quanto em um eleitor soteropolitano de seu adversário. Outra é garantir que a popularidade permaneça sem que um eleito mostre de que forma vai entregar o esperado. Ou seja, não será bradando o banimento do mitológico "kit gay" ou defedendo chamar o golpe de 1964 de revolução em livro didático, mas mostrando como irá reduzir o desemprego, a violência e a corrupção. Coisa que é lacuna na comunicação do novo governo.

O inovador estilo de comunicação, que se conecta de forma direta com os cidadãos, sem mediações, tem seus limites. Primeiro, porque a imprensa tradicional (ainda) tem papel fundamental na construção simbólica de nosso cotidiano e na organização da agenda pública. O presidente sabe disso, apesar de decretar a falta de credibilidade de jornais e jornalistas. O que é um paradoxo, pois se realmente não tivessem nenhuma, ele não precisaria repetir isso o tempo todo como se quisesse nos convencer disso. A impressão, portanto, é que ele, tendo chegado lá, também busca validação e reconhecimento junto à imprensa. Claro que, para Bolsonaro, admitir isso seria o ó.

E, segundo, com exceção da militância cega, à direita e à esquerda, capaz de saltar com seus líderes no abismo, incorporando o folclore dos lemingues suicidas, o grosso das pessoas é capaz de perceber que jogar purpurina em cima de uma moita de musgo não a torna uma joia de rara beleza, mas apenas uma moita de musgo que brilha.

Tempos atrás, entrevistei o dono de uma empresa de consultoria especializada na construção e desconstrução de reputações através de redes sociais. Ele comercializava os serviços para políticos e empresas – ué, você acha que passou a amar aquele produto completamente desnecessário a ponto de desejá-lo e comprá-lo apenas por sua livre e espontânea vontade? Sabe de nada, inocente.

Para ele, desconstruir reputações é mais fácil, sempre, do que construir. Mas não se desconstrói uma reputação com musculatura facilmente. A credibilidade de um político, o seu principal patrimônio, é garantida pela importância do que ele faz e pelo reconhecimento público disso. Esse tipo reconhecimento sólido não se constrói do zero. E uma vez erguido, não se destrói de um dia para outro. Ou seja, se os políticos fizessem apenas metade do que deveriam fazer já estavam com a vida ganha. O problema é que gastam energia na campanha e após ela para convencer a população que estão fazendo o que deveriam ter feito, mas não fizeram. Emprego, segurança, ordem e, como sempre, saúde e educação são as principais demandas.

A população se beneficiará da melhoria das contas públicas trazida com a Reforma da Previdência, mas é importante lembrar que não se come indicadores. O governo pode explicar quantas vezes quiser que está agindo de forma a preparar terreno para a economia crescer com reformas. De nada vai adiantar se as empresas não criarem vagas suficientes e em um curto espaço de tempo para aplacar o ranger de dentes de 12,2 milhões de pessoas sem trabalho e 4,7 milhões que desistiram de procurá-lo porque não acreditam mais que irão encontrar. Vale lembrar que, nos últimos anos, a criação de postos de trabalho tem ocorrido da mesma forma que a comunicação do novo governo, ou seja, na informalidade.

É mais fácil destruir um sistema do que construir outro usando redes sociais – da Primavera Árabe, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff até o discurso antissistêmico e contra tudo o que está aí que ajudou a eleger Bolsonaro, temos exemplos fartos disso. O novo governo mantém sua comunicação em estado bélico, apostando em uma guerra prolongada para unir os apoiadores contra o inimigo, personalizado no PT. O problema é que a estratégia tem limites e a população está cansada.

Se ele não souber como explicar o que o governo está fazendo para garantir uma vida melhor e quando isso vai chegar, sinceramente não importará se as desculpas virão via Twitter ou em uma entrevista coletiva.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto