MPT ignora reforma e exige da Vale R$ 2 mi em danos morais por trabalhador
Leonardo Sakamoto
31/01/2019 18h05
O Ministério Público do Trabalho exige que a indenização por dano moral a ser paga a trabalhadores, empregados e terceirizados, ou a suas famílias na tragédia do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), seja de, no mínimo, R$ 2 milhões por vítima. A instituição afirma que considera inconstitucional a nova regra aprovada na Reforma Trabalhista, que limita a 50 salários contratuais a indenização por danos morais (extrapatrimoniais).
A pedido do Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais, a Justiça do Trabalho bloqueou preventivamente R$ 800 milhões das contas da Vale para garantir o pagamento de indenizações por danos morais. Outros R$ 800 milhões já haviam sido bloqueados, também a pedido do MPT, para possibilitar o pagamento de salários, custos médicos, traslados de corpos, despesas com funeral, entre outros gastos, inclusive de trabalhadores de empresas terceirizadas.
De acordo com Adriana Augusta Souza, procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho no estado, o valor de R$ 800 milhões usou como base a indenização por danos morais de R$ 2 milhões pleiteada a cada trabalhador que foi vítima do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, em 2015. A empresa tem a Vale e a BHP Billiton como acionistas.
Ela afirma que o MPT considera inconstitucional o artigo da Reforma Trabalhista que limitou a indenização por dano moral a 50 salários contratuais em caso de situações gravíssimas, como a morte do empregados. E lembra que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pronunciou-se da mesma forma em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no Supremo Tribunal Federal. O relator da ação, proposta pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, é o ministro Gilmar Mendes.
A Reforma Trabalhista passou a valer em novembro de 2017. Portanto, não tem efeito sobre a tragédia em Mariana, mas tem sobre esta, de Brumadinho.
O artigo 223-G da lei 13.467/2017, que trata da reforma, estabeleceu uma gradação para a concessão de indenização por dano moral que levaria em conta uma série de fatores com base em uma escala de gravidade. Para casos gravíssimos, o teto ficou em 50 vezes o salário contratual do trabalhador. Para quem, hipoteticamente, recebe um salário mínimo (R$ 998,00), o teto é de R$ 49.900,00. Para que ganha R$ 20 mil, o teto vai a R$ 1 milhão.
"Esse teto é um completo absurdo", afirma a procuradora-chefe. "A indenização por danos morais dos trabalhadores mortos na tragédia é definida no âmbito da Justiça do Trabalho e tem essa lei como referência. Enquanto que a família de quem perdeu a vida em uma pousada, por exemplo, poderá fazer a demanda na Justiça comum, sem estar limitada a essa tabela."
Além da indenização por dano moral, há a possibilidade dos trabalhadores ou suas famílias demandarem à Justiça que a emprea pague uma indenização por danos materiais, que não conta com limite por lei. A família de um trabalhador morto pode pedir uma pensão mensal vitalícia sob a justificativa de que ele ou ela sustentava a casa. O valor vai sendo reduzido à medida em que os filhos atingem a independência econômica.
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Para Ronaldo Fleury, procurador-geral do Ministério Público do Trabalho, o caso "é uma das maiores tragédias trabalhistas da história do país", com a grande maioria das vítimas perdendo suas vidas nas dependências da empresa.
"Uma das funções do dano moral é que, sem causar enriquecimento ilícito, seja pedagógico para que o empregador nunca mais volte a causá-lo", diz Ivandick Rodrigues, professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado trabalhista.
"Este caso serve para uma reflexão sobre os direitos trabalhistas. Infelizmente, uma tragédia como essa está levando às pessoas a acordarem sobre os impactos negativos da Reforma Trabalhista", afirma Adriana. Ela acredita que a ação do MPT para as vítimas de Brumadinho terá efeito na jurisprudência sobre a indenização para danos morais, afetando outros casos.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.