Laranja sai, laranja fica: falta de critérios assusta aliados de Bolsonaro
Leonardo Sakamoto
19/02/2019 08h48
"A vida é como uma caixa de bombons, você nunca sabe o que vai encontrar." A frase dita pela mãe de Forrest Gump, no premiado filme de Robert Zemecks, cabe feito uma luva para explicar a lógica por trás de certas decisões tomadas pelo presidente da República.
Bolsonaro humilhou publicamente, chamando de "mentiroso", nas redes sociais e na TV, um de seus mais próximos aliados. Não teve coragem de demitir Gustavo Bebianno por conta própria, chamando o filho que ele chama de "pitbull" para ajudar na tarefa de fritura pública.
Qual a garantia de que não volte a fazer isso e, num surto, ataque um parlamentar que o apoie, mas venha a desagradá-lo? A incerteza ressoa pelo Congresso Nacional e pela Esplanada dos Ministérios.
Outra pergunta óbvia: qual o critério objetivo para mandar alguém ao paredão? Ele demitiu um ministro suspeito de irrigar o Laranjal do PSL, mas mantém outro, também envolvido com plantação de cítricos no partido, Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), no cargo em que está.
No vídeo construído milimetricamente para tentar impedir que Bebianno se torne um homem-bomba de seu governo, justificou a demissão dizendo que "diferentes pontos de vista sobre questões relevantes" acabaram levando à separação de ambos. Contudo, aplicada essa lógica, ele já teria pedido o divórcio a Paulo Guedes.
Nos bastidores, Bolsonaro reclamou a assessores que Bebianno havia vazado diálogos com o presidente e que esse seria um motivo para demiti-lo, quebra de confiança. Nesse sentido, uma parte da Esplanada dos Ministérios já teria rodado.
Outra reclamação, de que o agora ex-ministro teria aceitado receber um representante da Globo para uma reunião, também levaria à demissão de outros que atenderam à empresa de comunicação, inclusive generais próximos a ele.
Não é novidade que tanto o presidente quanto o governo voltem atrás em questões relevantes, após críticas da população, colocando a culpa do bate-cabeça ou do balão de ensaio na imprensa que faria "fake news".
A falta de critérios aliada à intempestividade de Bolsonaro e de seus filhos no intuito de defenestrar um assessor que já não cabia em seus planos muda a relação com aliados no Congresso. O impacto imediato do aumento do "risco bolsonaro" é o aumento do custo do apoio por parte de deputados e senadores para aprovar projetos. Mais cargos terão que ser distribuídos e mais emendas liberadas do que aquilo que ele já teria que distribuir para ver aprovada a Reforma da Previdência por não ter uma base partidária sólida. Com isso, a sua promessa de nova política, jurada em milhões de mensagens de WhatsApp na campanha eleitoral, pode durar menos que romance de carnaval e pode morrer antes da Quarta-feira de Cinzas.
Os eleitores mais conscientes decepcionam-se. Pensaram ter adquirido chocolate ao leite, mas só aparece bombom recheado de uma laranja amarga que nem fel. Os menos, divertem-se com o colorido das embalagens.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.