Dia da Mulher: Bolsonaro atrapalha a luta contra a gravidez na adolescência
Leonardo Sakamoto
08/03/2019 11h07
Bolsonaro prestou um desserviço à qualidade de vida de jovens mulheres ao criticar, em live realizada nesta quinta (7), uma publicação do ministério da Saúde com imagens que mostram como prevenir gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. A "Caderneta Saúde do Adolescente", de 2008, tem como público-alvo jovens de dez a 19 anos e informa sobre cuidados básicos para a sua saúde.
Respondendo a uma mãe que reclamava do material, o presidente da República (repetindo: o pre-si-den-te da Re-pú-bli-ca) sugeriu que os pais rasgassem as páginas onde estão ilustrações que ensinam a colocação correta de camisinhas masculina e feminina e como fazer a limpeza dos genitais. "Se você pai ou mãe achar que não [tem problema], é direito teu. Sugestão primeiro é dar uma olhada e se achar complicado, tira essas páginas." E prometeu que a caderneta será recolhida e uma nova produzida, sem as imagens.
Não estamos falando de vídeos com "golden shower" em contas no Twitter, mas de uma cartilha de saúde com desenhos (de-se-nhos) de como colocar um preservativo ou limpar o piu-piu e a periquita. Essas imagens não são chocantes, chocante é o fato de uma das maiores causas de problemas de saúde ser exatamente a falta de higiene adequada por conta da ignorância. Sem contar a gravidez precoce, que não apenas muda vidas cedo demais, mas também mata.
A realidade mostra que boa parte dos adolescentes vão transar independentemente do desejo, do conselho ou da proibição de seus pais – especialmente da proibição. Diante disso, pode-se ignorar a situação ou ajudar a prepará-los para o mundo.
O Brasil conta com uma taxa de gravidez adolescente de 68,4 nascimentos para cada 1000 meninas entre 15 a 19 anos. Na América Latina e Caribe, a média é de 65,5/mil – colocando nossa região apenas atrás da África Subsaaariana nesse quesito. A taxa global é de 46/mil.
Os dados são do relatório "Aceleração do progresso para a redução da gravidez na adolescência na América Latina e no Caribe", publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde, pela Organização Mundial da Saúde, pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e pelo UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) no ano passado. Entre as recomendações para diminuir os números brasileiros está impulsionar o acesso a métodos anticoncepcionais e à educação sexual – exatamente o contrário do que fez o presidente.
E não estamos falando apenas dos problemas sociais e econômicos causados pela gravidez precoce. Problemas de saúde na gestação, parto e pós-parto são uma das principais causas de morte entre adolescentes em nossa região.
Se uma cartilha como essa caiu nas mãos de uma criança com oito ou nove anos de idade, a solução não é sugerir que pais tirem fora as páginas ou incluam-na no index. Mas conversar com a escola ou com o ministério da Saúde para checar a distribuição correta. E, eventualmente, guardar até que o filho ou filha tenha atinja a idade recomendada.
O presidente da República postou, nesta sexta, em seu Twitter, que "qualquer celebração [ao Dia Internacional da Mulher] deve vir acompanhada de propostas e que respeitemos o feeling da mulher". Teria dado ele uma imensa, gigantesca, tremenda contribuição se tivesse apenas ficado quieto. Às vezes, a melhor contribuição que, nós homens, podemos dar é o silêncio, ainda mais em posições de poder.
Ele poderia ter escolhido outro assunto para gerar polêmica e criar marola. A vida de adolescentes não é brincadeira.
Em tempo: Eu amo camarão e nem por isso defendo, nas redes sociais, que a página da bíblia onde está Levítico, capítulo 11, versículos 9 e 10, seja rasgada: "De todos os animais que há nas águas, comereis os seguintes: todo o que tem barbatanas e escamas, nas águas, nos mares e nos rios, esses comereis. Mas todo o que não tem barbatanas, nem escamas, nos mares e nos rios, todo o réptil das águas, e todo o ser vivente que há nas águas, estes serão para vós abominação". E olha que camisinha é mais útil que camarão.
Segue a página subversiva que levou o presidente a se manifestar:
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.