Massacre de Suzano ocorre em meio a um crescente culto às armas no país
Leonardo Sakamoto
13/03/2019 13h56
Uma pessoa é socorrida após tiroteio ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil de Suzano,na Grande São Paulo Leia mais Imagem: Werther Santana/Estadão Conteúdo
Independentemente da motivação que tenha levado ao Massacre de Suzano, ele acontece em meio a um crescente culto às armas de fogo e à violência como forma de resolução de conflitos no país. Cinco estudantes e dois funcionários da Escola Estadual Professor Raul Brasil, além de um comerciante, foram mortos por dois ex-alunos, de 17 e 25 anos, nesta quarta (13) nesse município da Grande São Paulo. Depois, eles se mataram.
Violência que leva não apenas ao uso da força bruta para a resolução de tensões e traumas, mas também à eliminação do outro. Nesse contexto, a participação em determinados fóruns de discussão misóginos – que cultuam tiroteios chacinas e massacres ou pregam o extermínio de mulheres diante de sua própria incapacidade de conseguir estabelecer relações afetivas – ajuda a descolar ainda mais jovens da realidade.
Não à toa foi encontrada uma besta, usada para disparo de flechas, junto a um dos assassinos. Ela é figura presente em jogos de videogames, filmes, livros e graphic novels que trazem ambientes de guerra, universos medievais e mágicos, de mundos pós-apocalípticos com zumbis, violência urbana. Um dos feridos levou um golpe de machadinha, outra arma sempre presente nessas histórias, no peito.
Seja qual for a razão da fantasia de vingança desses jovens, contra a sociedade, as instituições, a escola, as mulheres ou algo mais que também não faça sentido, precisamos atuar coletivamente para reduzir a cultura de violência. Massacres como esse não começaram no atual governo federal, basta ver a lista de tragédias semelhantes que ocorrem por aqui.
Mas as ações da atual administração no sentido de ampliar o acesso a armas de fogo não contribui em nada. Além do problema de termos um presidente cuja marca registrada é simular armas com as mãos e defender a letalidade policial – ou seja, um pregador do culto citado acima.
Ao invés de armar professores e colocar detectores de metal em todas as escolas – o que é impossível, tendo em vista que muitas não têm nem merenda ou papel higiênico, precisamos atuar de forma coletiva para desarmas mãos, mentes e corações no que for possível. Mas também nos lembrar que, em última instância, atos de insanidade são atos de insanidade.
A nossa sociedade, concordemos ou não, vai continuar produzindo situações como essa. Temos dificuldade de concordar com esse fato porque acreditamos que, criando regras e impondo normas, somos capazes de zerar o risco da morte – o que não é verdade. Jogamos, então, o imponderável para baixo do tapete porque, se pensarmos nele, nem levantamos da cama de manhã para ir trabalhar ou estudar com receio de morrer.
Sim, nossa sociedade gera aberrações por vários motivos e por motivo nenhum. Sim, existe a possibilidade de você cair nas mãos de um perturbado a qualquer momento. Como o caso do rapaz que tinha raiva de garotas e assassinou 12 jovens, que tinham entre 12 e 14 anos, em uma escola em Realengo, em 2011.
Para muitos desses assassinos, ter explicado que eles podiam ser presos ao cometerem tais atos simplesmente não teria feito diferença, lembrando que, não raro, se matam ao final. Ou seja, o debate sobre a redução da maioridade penal não cabe aqui. E antes de serem baleados pela eventualidade de um "professor armado", já teriam causado um estrago. Armas à disposição deixa tudo muito mais fácil. E se não fossem armas, poderiam ser explosivos. Se não fossem explosivos, gasolina. E se não fosse nada disso, usariam um carro ou um caminhão que avançaria sobre as crianças e adolescentes quando fossem para a rua ao término das aulas – como tem acontecido em várias partes do mundo.
Por isso, soa inocente ou apenas bravata a declaração do senador Major Olímpio (PSL-SP), dada após a tragédia de hoje: "se os professores estivessem armados, e se os serventes estivessem armados, essa tragédia de Suzano teria sido evitada".
Procuramos respostas para preencher a falta de sentido e tapar o buraco deixado por perdas dolorosas, como já disse aqui. O problema é que elas não são úteis para resolver nada, nem mesmo para contribuir com os processos simbólicos de luto. Mas são nos momentos de emoção extrema que nossa racionalidade é colocada à prova. Ou seja, que somos chamados a mostrar que deixamos de ser uma horda tresloucada que segue um único instinto, o medo. E não procurar soluções para problemas que dificilmente serão resolvidos.
Se não somos capazes de antever certos atos de insanidade, há coisas que conseguimos minimamente controlar. Por exemplo, evitar que o Estatuto do Desarmamento seja alterado para generalizar o porte de armas, como é defendido pelo presidente.
Não se sabe como ambos conseguiram os revólveres, mas um mercado mais restrito para armas legais significa menos delas em circulação (armas que, muitas vezes, são compradas legalmente por cidadãos ou são de uso restrito da polícia e das Forças Armadas, mas acabaram roubadas ou vendidas, caindo no mercado ilegal) e menor possibilidade de mortes. Podemos não reduzir a ocorrência de tragédias, mas – ao menos – dá para diminuir o seu tamanho.
Desde que não optemos por responder estupidez com mais estupidez.
Post atualizado às 16h39 do dia 13/03/2019 para detalhamento do número de vítimas.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.