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Ao não revelar origem de vídeo pró-golpe, governo mistura público e privado

Leonardo Sakamoto

02/04/2019 10h04

Um vídeo sem assinatura em que um ator profissional defende o golpe militar de 1964 veiculou pelos canais de WhatsApp do Palácio no Planalto neste domingo (31). O ator, descoberto pelo repórter Gustavo Maia, de O Globo, não revela quem o contratou e a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, questionada sobre a origem do vídeo disse que "não irá se manifestar sobre o assunto". Se não fosse o vice, general Hamilton Mourão, não saberíamos que divulgar a peça de propaganda foi decisão do presidente.

O contribuinte tem direito de saber se aquele conteúdo foi feito com dinheiro público, quanto teria custado e quem o teria produzido. Ou se foi uma doação ao governo federal, ela está registrada como tal? O anonimato não é uma opção, pois ele foi divulgado por canais de distribuição de informação do Estado, ou seja, pertencentes a todos nós. O PT entrou com representações na Procuradoria-Geral da República e na Controladoria-Geral da União para que o governo responda a essas indagações.

A "nova política" de Bolsonaro já baixou decreto para dificultar o acesso a informações públicas, alterando as regras da Lei de Acesso à Informação, permitindo que mais ocupantes de cargos comissionados classificassem dados do governo como ultrassecretos e secretos – a Câmara votou contra a medida, que acabou revogada. Já alegou questões de "foro íntimo" para não precisar justificar a demissão de Gustavo Bebianno diante de uma briga pública com o ministro via redes sociais e denúncias de uso de laranjais pelo seu partido, o PSL. Até foi à CIA, a Agência Central de Inteligência norte-americana, sem que a visita estivesse na agenda oficial. Não estamos falando de fazer compras num shopping, mas de ir à CIA.

A separação entre o que é público e o que é privado não tem sido o forte da gestão Bolsonaro nessa área. O presidente optou por fazer comunicados oficiais através de sua conta pessoal de Twitter, mas bloqueia jornalistas que o desagradam, impedindo que tenham acesso à informação que divulga. E utiliza a mesma conta para divulgar informações distorcidas, como foi o caso do ataque contra a repórter do jornal O Estado de S.Paulo, Constança Rezende, ou para veicular vídeos obscenos, com no caso da polêmica do "golden shower". Enquanto isso, seu filho Carlos Bolsonaro, tuita em nome do pai, apesar de ser (oficialmente) vereador no Rio de Janeiro e não parte da equipe de comunicação da Presidência. Esse controle da comunicação em rede sociais e aplicativos de mensagens faz parte da estratégia de manter seus seguidores constantemente mobilizados a seu favor.

Um presidente e sua equipe podem muita coisa, mas não podem tudo. Agir como um grupo de pré-adolescentes divulgando conteúdo apócrifo pela estrutura oficial de comunicação pública, conteúdo que relativiza a democracia, e se negando a dizer a origem dele é uma delas.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto