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Começa o "toma lá, dá cá" pela aprovação da Reforma da Previdência

Leonardo Sakamoto

24/04/2019 03h41

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça, na noite desta terça (23), a Reforma da Previdência segue para a comissão especial da Câmara dos Deputados instalada com o objetivo de analisar a proposta. A partir de agora e até a votação no plenário, o governo Jair Bolsonaro vai resgatar o velho balcão de negócios usado entre o Poder Executivo e deputados federais interessados em vender apoio. Depois de levar surras em algumas votações, a articulação do governo aprendeu que a "nova política" proposta por um presidente que passou 28 anos no Congresso Nacional, na prática, não vale uma golden shower.

Em outras palavras, vai chover milhões para emendas parlamentares. Isso sem falar na reorganização da pauta de obras tocadas pelo governo federal a fim de atender aos clientes mais fiéis e da negociação de perdões bilionários de dívidas de produtores rurais com, ora, vejam só, o próprio sistema de previdência rural. Ou de normas e regras federais que podem ser alteradas atendendo a pedidos de grupos de interesse.

Reportagem de Angela Boldrini, Camila Mattoso e Ranier Bragon, na Folha de S.Paulo, desta quarta (24), relata que o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ofereceu um extra de R$ 40 milhões em emendas parlamentares até o final do mandato para cada deputado que votar a favor da reforma no plenário.

A solicitação de emendas para atender demandas justas da população faz parte da democracia. O problema é quando o processo de sua liberação inclui tomaladacás. A tática não é nova, pelo contrário, foi sistematicamente utilizada por todos os governos até aqui. Só na ditadura militar não era tão necessária porque, em última instância, era só cassar todo mundo, dissolver o Congresso Nacional, mandar partidos para a clandestinidade, tortura e matar políticos.

Desta vez, contudo, a liberação de emendas terá o objetivo claro de compensar o prejuízo eleitoral que os deputados terão ao votar a favor da mudança nas aposentadorias. Ou seja, torcer para que o povo fique tão feliz com um esperado asfaltamento de rodovia vicinal ou com uma nova escola (conquistas que deveriam ser garantidas independentemente de tomaladacás) que se esqueça de que vai ter que se aposentar mais para frente ou não se aposentar.

Enquanto isso, o governo federal vai despejar outros milhões de reais em propaganda pró-reforma em veículos de comunicação, agências de publicidade e redes sociais, com especial atenção ao Nordeste – onde está localizada a maior resistência. São campanhas feitas não para informar sobre o tema, com todos os lados da questão, abrindo o debate público, mas de convencer.

Pesquisa Datafolha aponta que 65% dos brasileiros são contra a proposta do governo de estabelecer a idade mínima de 62 anos para mulheres se aposentarem; 60% são contra ter que contribuir por 40 anos para conseguir aposentadoria integral; 63% são contra que o benefício da pensão por morte pago a viúvas e órfãos possa a ser reduzido a 60% do benefício original; e 61% defendem que trabalhadores rurais mantenham regras diferenciadas de aposentadoria. A pesquisa, divulgada em abril, identificou que 51% da população é contra a ideia de Reforma da Previdência e 41%, a favor. Ou seja, quando a proposta é dissecada, a rejeição aumenta.

O governo poderia ter dividido poder com outros partidos políticos, como seria previsível neste nosso presidencialismo de coalizão, e afastado o varejo parlamentar. Agora, teria vida mais fácil no parlamento, talvez pudesse até estar à frente da maioria na Câmara. Mas preferiu centralizá-lo, nomeando ministros e cargos importantes entre uma ala de extrema direita, uma ala militar e uma área que se autodenomina como técnica, apesar das barbeiragens que comete. Alijados de participar do poder, os partidos que não gostam de serem chamados de Centrão vão cobrar caro pela tramitação.

A Previdência precisa ser discutida e aprimorada para uma nova realidade etária e a redução de desigualdades. Mas seu conteúdo afeta sim a população vulnerável – e não apenas nas mudanças propostas para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o salário mínimo assistencial pago aos idosos em situação de miséria, e para a aposentadoria especial rural – voltada a pequenos produtores, pescadores, extrativistas. Aliás, se o grupo que não gosta de se chamado de Centrão não voltar atrás, esses dois pontos já estão fora.

Por exemplo, o aumento no tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos vai afetar a classe média baixa e baixa que já se aposentam por idade e mal conseguem contribuir as 180 parcelas mensais, imagine 240. E, o pior: com 20 anos, o recebimento não será de 90% da média salarial, como é hoje, mas 60%. O fim do abono salarial para quem ganha mais entre um e dois salários mínimos vai impactar muita gente. A alteração no recebimento de pensões, que deixam de ter o valor integral da aposentadoria, abre a brecha para órfãos e viúvas receberem apenas 60% de um salário mínimo. A previsão de introdução do sistema de capitalização com contas individuais é outra história, mal explicada, que pode reduzir os rendimentos dos aposentados mais pobres.  

Isso sem contar que a discussão pública está severamente contaminada. Com exceção de alguns veículos de comunicação, uma parte significativa da mídia destina a maioria ou todo o tempo de suas reportagens (atenção, nem estou falando de análises e opiniões) sobre a Reforma da Previdência para defendê-la. Questionados, dizem que estão cobrindo pontos de vista pragmáticos – como se o pragmatismo também não tivesse a sua ideologia. E criticam textos que levantam críticas, chamando-os de irracionais e antipatrióticos. Ao mesmo tempo, grupos de grandes empresários torram milhões em campanhas pela reforma – alguns pelo ajuste fiscal, outros pela promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de reduzir contribuições patronais num futuro sistema de capitalização, outros pela emoção.

Começa, agora, o vale-tudo pela aprovação da Reforma da Previdência. O quanto isso vai funcionar, depende. De quanto recurso o governo tem à disposição. E da incrível capacidade de Bolsonaro, família e equipe de serem a grande oposição a eles mesmos.

Em tempo: Quando o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, diz que o governo não tem votos para aprovar a reforma, ele quer apenas lembrar que quem manda é ele.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto