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Bolsonaro já lançou política pelas armas, mas não política pelo emprego

Leonardo Sakamoto

11/05/2019 19h09

Bolsonaro durante a assinatura do decreto sobre o porte de armas. Foto: Adriano Machado/Reuters

Bolsonaro assumiu o governo sabendo que teria mais liberdade para sua pauta reacionária em costumes e comportamentos quando conseguisse mostrar serviço. Ou seja, fazer o desemprego cair e a economia crescer.

O problema é que o número de desocupados, hoje, em 13,4 milhões, cresce e a economia derrapa – com sucessivas revisões para baixo das estimativas de crescimento do PIB para este ano. Em alta, apenas a quantidade de pessoas que se tornam vendedoras ambulantes de comida na rua e catadores de materiais recicláveis – que apesar de serem ocupações honestas e importantes, contam com baixo rendimento e são precárias em direitos. E o presidente, o que faz? Facilita o porte de armas para a população e entra em guerra contra a educação e a ciência.

Confiando, talvez, em seu capital eleitoral, ele não esperou a vida dos brasileiros melhorar e passou a implementar sua pauta medieval. Joga no lixo décadas de políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável e ao combate às mudanças climáticas; coloca em risco a dignidade das populações tradicionais, como indígenas e quilombolas, entregando a decisão sobre a terra aos ruralistas; corta recursos fundamentais para a pesquisa e a ciência e, após 150 anos de Louis Pasteur, aposta na "geração espontânea" de conhecimento; asfixia a educação, a reflexão e o senso crítico, através de um ataque frontal às universidades;  promove o voyeurismo sexual do comportamento alheio e o combate a fantasmas comunistas inexistentes e, claro; passa por cima do Congresso Nacional e da Constituição e facilita o porte e a posse de armas, possibilitando que pessoas estoquem munição o bastante para começar uma guerra e beneficiando milícias rurais e urbanas.

Vale lembrar que a maioria da população (61%) afirma que a posse de armas de fogo deve "ser proibida, pois representa ameaça à vida de outras pessoas", segundo pesquisa Datafolha divulgada em 31 de dezembro. A facilitação da posse (direito de ter em casa ou no escritório) e do porte (direito de transportar consigo), apesar de uma das principais propostas de campanha de Bolsonaro para combater a criminalidade, não encontra lastro na sociedade, como várias de suas pautas. A maioria da população não quer universidade pública sendo destruída, quer os filhos estudando lá.

Bolsonaro recebeu 57,8 milhões de votos de pessoas que estavam insatisfeitas com o sistema político e acreditavam (não sei como) que ele era uma esperança de mudança. Ou eleitores que não aceitavam ver o PT na sua frente (por conta das denúncias de corrupção contra o partido e da crise econômica), nem que seu candidato estivesse pintado de amarelo, fazendo arminha com a mão e dizendo "talkey".

Mas apenas uma pequena parcela estava interessada na pauta medieval em questão. E, pelas pesquisas que apontam a subida na rejeição ao governo, a maioria está insatisfeita pela falta de políticas do presidente para melhorar sua qualidade de vida.

A culpa pelo desemprego (por enquanto) não é de Bolsonaro, mas dos governos que vieram antes do dele. Mas o presidente não apresentou, até agora, nenhum plano para estimular a geração de postos de trabalho decentes – e pode ser cobrado por isso. Tem apostado todas as fichas na Reforma da Previdência, na Reforma Tributária e nas privatizações de estatais, que não dependem apenas dele e não fazem milagre também.

E mostrado que a prioridade não é o trabalhador. No Primeiro de Maio, teve a pachorra de ir à TV afagar empresários e não dirigiu uma palavra aos desempregados. A vida tá difícil para quem toca um negócio? Claro. Imagine, então, para quem está na merda.

A estratégia de Bolsonaro foi outra: a de botar a carroça na frente dos burros. Ao invés de implementar políticas para fazer o país crescer e, só então, entrar com seu "pacote doidera", ele acredita, ao que tudo indica, que a implementação imediata da pauta medieval garantirá a ele o apoio por parte da turma alucinada diante das críticas. E elas têm sido frequentes, por conta de um governo que não sabe planejar, articular e implementar políticas públicas que beneficiam a massa.

Parcelas dos ruralistas, dos fundamentalistas religiosos, dos agentes de segurança pública e do poder econômico, entre outras, seguem ao seu lado. Este último grupo é especialmente fascinante. A última ditadura brasileira foi sustentada internamente por empresários que tinham seus interesses sustentados por ela. Sua manutenção foi, em larga escala, possível graças a uma pactuação de empresários para uma modernização violenta. A simbiose era tamanha que indústrias denunciavam operários "subversivos" para serem torturados pelos órgãos do governo e, em troca, greves eram reprimidas com bomba, bala e borracha pelo poder público.

Escrevi, no ano passado, que se fosse pelo caminho de rifar o país a quem não tinha projeto para além de si mesmo e sua família, acreditando que ele cumpriria um acordo, parte do poder econômico estaria saltando de cabeça na piscina vazia do autoengano, dada a inconstância, o voluntarismo e a falta de preparo do então candidato. Era preocupante que alguém acreditasse que Bolsonaro iria entregar a gestão da economia a tecnocratas e cuidar de "só" fiscalizar o sexo alheio. Dito e feito: ele interfere no preço do diesel; manda tirar comercial do Banco do Brasil (uma empresa de economia mista) do ar porque não gostou; compra briga com a China, nosso maior parceiro comercial; age como bicho de pelúcia de Donald Trump, pois nem recebe algo de concreto (tornar-se membro efetivo da OCDE) em troca de tanto amor (deixar de lado vantagens na OMC). Sem falar da indústria nacional, que fuéééé…

Quem lê este blog sabe que defendo que há boas propostas na Reforma da Previdência apresentada por Paulo Guedes, mas há outras tantas que atingem sim a dignidade dos que ganham pouco e deveria ser retiradas – o que vai muito além do BPC e da aposentadoria rural. E que sou a favor de uma Reforma Tributária com justiça social, cobrando mais de quem tem mais, distribuindo renda a quem nada tem. A discussão, portanto, não é se reformas são importantes. Mas sobre a capacidade do governo de articular os diferentes interesses da sociedade e construir um futuro para o país.

Bolsonaro não entregou o esperado pelo grosso da população e segue enfiando, goela abaixo, uma agenda que cheira a naftalina. Determinados grupos, como os estudantes, pesquisadores e indígenas, já protestam alto. Quanto tempo vai levar para os donos do dinheiro grosso tirarem seu apoio? Quem vai pagar o prejuízo quando exportações forem bloqueadas por casos de destruição ambiental e violência a populações tradicionais? E o que farão os generais? Vão continuar passando pano para um presidente que apoia os ataques e xingamentos de um autoproclamado filósofo contra eles em nome de alguns cargos e da possibilidade de influenciarem na reforma previdência dos militares? A consciência vale só isso?

E, principalmente: na hora em que os pobres e a maioria da classe média se cansarem, o que vai ser? Declarar guerra à Venezuela para distrair o povo? Desconfio que nem todos os vídeos de golden shower no mundo vão resolver.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto