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Previdência: Governo não desiste de pobres pagarem a conta, diz deputado

Leonardo Sakamoto

25/05/2019 11h38

Foto: Reuters

Mudanças que atingem a população mais pobre e vulnerável, como a que dificulta a aposentadoria especial dos trabalhadores rurais e a que posterga o acesso ao salário mínimo do Benefício de Prestação Continuada (BPC), continuam na Reforma da Previdência mesmo com as promessas de líderes partidários de que elas seriam desconsideradas a partir do momento em que o projeto chegasse à comissão especial que trata do tema.

Ivan Valente, líder do PSOL na Câmara dos Deputados, afirma que o relator do projeto Samuel Moreira (PSDB-SP) quer fazer alterações para manter rurais e idosos em condição de miséria na reforma. "O relator tenta manter a mesma economia que o ministro Paulo Guedes quer – mais de R$ 1,1 trilhão. Com isso, faz jogo de palavras com rurais e idosos vulneráveis. O governo não desiste dessa ideia de que os pobres e idosos paguem a conta da crise."

Em seu projeto enviado ao Congresso, o governo propôs que a idade mínima para que idosos em condição de miserabilidade (menos de R$ 249,50 de renda familiar mensal per capita) possam receber o salário mínimo mensal do Benefício de Prestação Continuada (BPC) passe de 65 para 70 anos. Em contrapartida, quer desembolsar uma fração desse total – R$ 400,00 – dos 60 aos 69 anos.

A proposta foi duramente criticada. Primeiro, por mexer em um vespeiro aparentemente sem grande economia. Segundo, porque é mais fácil conseguir um bico para complementar a renda aos 60 aos 65 do que dos 65 aos 69 – sem contar que a demanda por recursos para custos de saúde e emergências aumenta exponencialmente nessa idade. De acordo com o líder do PSOL, foi adiantada uma nova proposta em que o salário mínimo do BPC seria pago aos 68 e os R$ 400,00 a partir dos 62.

O "aparentemente" é porque o desejo de mudança no BPC deve-se menos à economia gerada agora e mais à economia futura. Como outras mudanças da Reforma da Previdência vão dificultar o trabalhador de se aposentar, uma parcela irá para a fila da assistência social, inflando o BPC. O governo quer subir o sarrafo, hoje em 65, para poupar mais para frente.

O relator também estaria buscando um "meio termo" para os trabalhadores rurais da economia familiar. A proposta do governo Jair Bolsonaro demanda de pequenos produtores, pescadores, extrativistas uma contribuição anual mínima de R$ 600,00, por família, durante 20 anos, ao invés de apenas comprovar o trabalho no campo por 15 anos, como é hoje. A proposta ignora que eles, não raro, terminam o ano sem renda líquida, por fatores climáticos ou de preço no mercado, dependendo do Bolsa Família.

Outro ponto polêmico é a idade mínima para aposentadoria entre os professores. O governo propôs 60 anos para homens e mulheres, causando protestos, uma vez que a profissão, como outras que contam com aposentadoria especial, desgasta mais do que a média. De acordo com Ivan Valente, foi adiantada a proposta de que o relator baixaria a idade mínima para 58 anos para as mulheres e subiria para 61 no caos dos homens. Hoje, os professores se aposentam com um mínimo de 25 e 30 anos de contribuição para mulheres e homens, respectivamente.

Ivan Valente destaca uma proposta que atinge a camada mais pobre e segue na reforma que é o fim do abono salarial para quem ganha entre um e dois salários mínimos. "O abono pode até ser matéria trabalhista ou assistencial, mas não é questão previdenciária. Afirmar que quem ganha entre um e dois salários mínimos no Brasil não necessita desse auxílio é um absurdo."

Quando a Reforma da Previdência chegou ao Congresso Nacional, as propostas de mudanças na aposentadoria especial dos trabalhadores rurais e no salário mínimo pago na forma de assistência a idosos pobres em situação de miséria foram consideradas tão duras contra os mais vulneráveis que o questionamento sobre elas pela imprensa e pelas bases eleitorais causava constrangimento entre parlamentares. Afinal, como justificar que um projeto cujo lema é combater "privilégios" estava causando problemas àqueles que mais precisam de suporte do poder público para garantir um mínimo de dignidade. Líderes de vários partidos políticos vieram a público e se comprometeram que essas políticas ficariam como estão.

Tornou-se senso comum de que esses pontos eram encarados como um "bode na sala", colocados apenas para serem negociados e retirados posteriormente em troca da manutenção de temas mais caros ao governo, como a previsão do regime de capitalização. A repercussão foi tão ruim que o governo até já contabilizava sua não aprovação, aceitando uma economia em torno de R$ 800 bilhões.

Contudo, os temas continuam lá sem sinalização de que serão retirados por enquanto. E, com isso vai esticando a sobrevida do bode.

Há instrumentos na reforma que combatem a desigualdade – como uma alíquota progressiva que fará com que os que ganham mais contribuam com mais, tanto no setor privado quanto no público. Mas não procede que "para a população mais pobre, não vai mudar praticamente nada", como disse, por exemplo, o secretário da Previdência, Leonardo Rolim em entrevista ao Congresso em Foco.

Outra alteração que atinge os mais vulneráveis é a proposta de que a pensão paga a viúvas e órfãos de aposentados passe a ser de 60% do valor do benefício, acrescida de 10% para cada dependente adicional até 100%. E, pior: abre-se a porteira para receber pensões de menos de um salário mínimo. Hoje, o valor é integral.

Deputados da oposição criticaram nas audiências com o ministro Paulo Guedes para discutir a reforma o aumento do tempo mínimo para aposentadoria. A proposta do governo eleva de 15 a 20 anos, ou seja, de 180 para 240 meses. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), considerando-se a aposentadoria por idade, 50% das mulheres que acessaram essa forma de benefício conseguiram comprovar apenas 16 anos de contribuição.

"Vi gente falando nos jornais que a Reforma da Previdência está aprovada como está. Mas esse não é o entendimento do parlamento", afirma Ivan Valente.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto