Reitor diz que retirada de faixa pela educação foi "elogio à ignorância"
Leonardo Sakamoto
28/05/2019 04h17
Manifestantes pró-Bolsonaro arrancam faixa em defesa da educação na UFPR. Foto Giorgia Prates/Jornal Plural/UFPR
Era "em defesa da educação". Mesmo assim – ou por causa disso – não coube no ato em defesa do governo Jair Bolsonaro, em Curitiba, neste domingo (26).
Manifestantes retiraram, sob aplausos, uma grande faixa com esses dizeres que havia sido colocada no Prédio Histórico da Universidade Federal do Paraná como protesto contra o bloqueio de verbas para a educação. Logo após o ocorrido, o reitor Ricardo Marcelo Fonseca postou a cena em sua conta no Twitter, chamando a ação de "inacreditável".
O blog aproveitou o caso de censura para conversar com ele sobre o momento de crise nas universidades federais do país e o papel da educação e do ensino superior público.
"Sequer havia nela logo sindical ou de qualquer menção a algum movimento político ou social. O que indica que era a própria defesa da educação, em si mesma, que estava sendo questionada raivosamente", afirma Fonseca – que é professor de História do Direito na Faculdade de Direito da UFPR e professor visitante na Faculdade de Direito da Universidade de Florença, na Itália.
Um grupo tentou recuperar a faixa e houve tumulto. Ao menos três fotógrafos que registravam a cena acabaram agredidos por bolsonaristas. Vídeos celebrando o feito foram postados pelos manifestantes nas redes sociais.
"Isso não tem a ver, historicamente, nem com a tradição de movimentos conservadores e nem com os progressistas. Não se trata meramente de um anti-intelectualismo, como hoje se costuma dizer. É mais do que isso: é um elogio ao obscurantismo e à ignorância."
De acordo com Fonseca, no segundo semestre deste ano, todas as universidades federais devem parar, pois não haverá como pagar serviços de limpeza, vigilância, manutenção, transporte e as contas de luz e de água sem recursos do governo federal. "Entrar num debate semântico – sobre se o orçamento foi 'cortado' ou 'contingenciado' – ou numa discussão sobre o real percentual que saiu das contas das instituições federais de ensino só esconde esse fato."
E afirma que não é a primeira vez na história em que "educadores e obscurantistas" travam embates. "A causa da educação tem uma força e um universalismo maior que o impulso de um conjunto de tolos que vociferam e arrancam um cartaz que, em outros momentos absolutamente todos iriam ostentar", diz o reitor da UFPR. "Isso, no fim, só mostra como a universidade, e sua luz, torna-se ainda mais fundamental quando existem trevas."
Segue a entrevista:
Manifestantes arrancaram, sob aplausos, uma faixa que dizia "Em defesa da educação" do Prédio Histórico da UFPR, na manifestação deste domingo. O que há de tão aterrorizante e subversivo nela para receber esse tratamento?
Absolutamente nada de subversivo e menos ainda de aterrorizante. Embora fosse uma faixa feita pelo sindicato dos professores da universidade, sequer havia nela logo sindical ou de qualquer menção a algum movimento político ou social. O que indica que era a própria defesa da educação, em si mesma, que estava sendo questionada raivosamente. E isso sim é que é aterrorizante.
Essa frase sempre esteve presente em cartazes e faixas de manifestações de diversos matizes ideológicos. Por que agora parece ser desprezada?
Essa é, me parece, uma grande questão a ser analisada nesses tempos estranhos em que vivemos. Afinal, que tipo de ação política é motivada pelo ódio à educação? Isso não tem a ver, historicamente, nem com a tradição de movimentos conservadores e nem com os progressistas. Não se trata meramente de um anti-intelectualismo, como hoje se costuma dizer. É mais do que isso: é um elogio ao obscurantismo e à ignorância.
E aí é que está o grande perigo: uma sociedade que despreza a inteligência e o conhecimento não tem nenhuma chance de ter um bom futuro. Sobram só barbárie e violência, real ou simbólica. Convido os que se deixaram levar pelo momento e pelo ódio incitado por alguns que parem, ponderem e percebam que não pode haver luz no fim do túnel sem educação e sem universidades.
Em um depoimento na Assembleia Legislativa, na semana passada, você disse que não apenas a UFPR mas o conjunto das federais pode fechar a partir de agosto por falta de recursos para água, luz, limpeza e vigilância. Esse quadro se mantém?
Mantém-se, certamente não só para a nossa universidade, mas para o conjunto de todas as universidades federais brasileiras e também institutos federais por todo o país. Entrar num debate semântico – sobre se o orçamento foi "cortado" ou "contingenciado" – ou numa discussão sobre o real percentual que saiu das contas das instituições federais de ensino só esconde um fato bem verdadeiro, para além de qualquer matemática: no segundo semestre todas vão parar, pois não há como nenhuma instituição funcionar sem contratos de limpeza, vigilância, manutenção, transporte ou sem pagar a conta de luz ou água.
Sei que não há instituições, públicas ou privadas, que sejam perfeitas nesse mundo em que vivemos, mas, apesar do nosso sincero esforço, não há mágica orçamentária que seja capaz de dar conta deste déficit nas despesas correntes e cotidianas das universidades. Lembre que a diminuição nos nossos orçamentos vem ocorrendo há pelo menos quatro anos, apesar das universidades estarem em expansão e de todos os nossos contratos e serviços se reajustarem, todos os anos. Não há mais gordura pra queimar. A ladeira abaixo é para a precarização seguida de inviabilização institucional.
Ricardo Marcelo Fonseca, reitor da Universidade Federal do Paraná. Foto: Fotos de Marcos Solivan Camargo
Como você avalia a batalha de comunicação pela opinião pública, que quer transformar as universidades federais em inimigas do povo?
Esse ataque simbólico que vem sendo feito à universidade – e isto vem ocorrendo em setores da opinião pública já há alguns anos – pode ser tão perverso quanto o ataque orçamentário.
Em outros lugares a história pode ser diferente, mas aqui, no Brasil, as universidades públicas são o polo da produção da pesquisa, produzem mais de 95% da ciência e tecnologia e geralmente formam os quadros profissionais mais qualificados, além de serem um lugar único de inclusão e cidadania. Quem não conhece alguma história de como uma formação superior qualificada mudou o destino de alguém e de sua família? E para isso precisamos sim do financiamento público das melhores universidades, como acontece em todos os países avançados.
Sem as universidades públicas brasileiras, somos menos civilizados, temos menos desenvolvimento econômico e somos menos preparados para enfrentar o futuro. Sem as universidades públicas, o Brasil fica de mãos abanando e com os cérebros vazios. Nas formaturas, costumo dizer que o destino de mais de 106 anos da UFPR e o destino do nosso Estado estão cruzados. Os êxitos do Paraná neste período não teriam sido os mesmos (no avanço estrutural, na expansão agrária, na formação de professores dos outros níveis de ensino etc.) sem a presença da Universidade. E isso seguramente vale para todos os outros estados da federação.
Então, a tese da universidade pública como local de "promoção de balbúrdia" não fez estragos?
Só posso classificar como surreal ou mesmo bizarro que uma instituição com essa centralidade e essa importância para nosso país de repente seja vista por muitos como o lugar da baderna, do desperdício ou da perversão. Mas ao menos o drama atual por que passam as universidades serviu para algo: o prejuízo social de nossa paralisação vem fazendo com que nossas pesquisas, o que fazemos nos nossos laboratórios e nossas inovações sejam mostradas nos jornais, nas rádios e na TV. Muitos começam a notar que as universidades são lugar de trabalho, de empenho, de formação e de inteligência. E começam a perceber o tamanho do estrago nas suas próprias vidas e de suas famílias se elas pararem de cumprir seu papel. Estamos, de fato, em plena batalha de comunicação e as universidades estão ganhando espaço.
No Twitter, você descreveu a cena da faixa como "inacreditável". Com o que você ainda se impressiona?
Para quem vive no mundo do conhecimento, como as universidades, uma predisposição cega contra a educação sempre impressiona. Mas sei também que não é a primeira vez que educadores e obscurantistas se embatem. A causa da educação tem uma força e um universalismo maior que o impulso de um conjunto de tolos que vociferam e arrancam um cartaz que, em outros momentos absolutamente todos iriam ostentar. Isso, no fim, só mostra como a universidade, e sua luz, torna-se ainda mais fundamental quando existem trevas.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.