Protestos lembram que Bolsonaro ainda não indicou um ministro da Educação
Leonardo Sakamoto
30/05/2019 20h54
Manifestantes se reúnem em frente ao Prédio Histórico da UFPR, nesta quinta (30), com a faixa, que havia sido removida pelo ato bolsonarista, de domingo (26), recolocada. Foto: Franklin de Freitas/Estadão Conteúdo
O ministro Abraham Weintraub foi largamente lembrado por estudantes, professores e movimentos sociais, nesta quinta (30), na segunda rodada de manifestações em defesa da Educação. Em São Paulo, na marcha com dezenas de milhares de pessoas, que partiu do Largo da Batata em direção à avenida Paulista, ele só perdia em críticas para o onipresente Jair Bolsonaro.
Não apenas por conta dos cortes no orçamento, que afetam o custeio das universidades e institutos federais e das bolsas de pesquisa. Mas também pela forma como fez isso, sem abrir um diálogo prévio, acusando as instituições responsáveis pela produção do conhecimento científico nacional de serem antros de "balbúrdia".
Aliás, preocupado com o risco de "envenenamento da democracia" causado pelos ataques do ministro a estudantes e professores, o Ministério Público Federal ajuizou contra ele uma ação civil pública pedindo R$ 5 milhões.
Bolsonaro jogou gasolina no incêndio deflagrado por Weintraub, primeiro chamando os estudantes de "idiotas úteis", depois alternando para "inocentes úteis". O que, em ambos os casos, significa a mesma coisa: que ele os vê como "imbecis" manipuláveis sem vontade própria.
Desde então, o ministro tem se dedicado a provocar. Seja acusando os professores de coagirem alunos a irem aos atos em defesa da educação, seja usando a estrutura do Ministério da Educação para espalhar absurdos. Como uma nota, na tarde desta quinta, em que diz que professores, servidores, funcionários, alunos e até pais e responsáveis "não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar".
A orientação é tão própria de regimes autoritários que Bolsonaro deveria produzir camisetas estampadas com ela e vender para os líderes da Coreia do Norte, da Hungria, da Venezuela, das Filipinas. Poderia ajudar a aumentar o PIB, que caiu no primeiro trimestre deste ano.
Além disso, o governo de um presidente, que tanto defende que pais tenham liberdade para ensinarem o que quiserem a seus filhos e filhas, solta uma nota de caráter intervencionista, orientando que denúncias sejam feitas ao MEC caso pais incentivem os filhos a irem a manifestações.
Isso lembra outra nota emitida pela gestão de seu antecessor, Ricardo Vélez Rodríguez, que pedia para as escolas filmarem alunos cantando o hino nacional e ouvindo o slogan de campanha eleitoral de Bolsonaro e enviarem as imagens ao ministério. E o melhor: sem pedir autorização aos pais. Em ambos os casos, o governo age como se dissesse "seus filhos nos pertencem".
Bolsonaro optou por não indicar um ministro da Educação quando montou seu ministério, mas um general para travar uma "guerra cultural", cujos inimigos são todos aqueles que atuam na produção de conhecimento na sociedade, como intelectuais, acadêmicos, professores, pesquisadores, cientistas. São esses "entraves" que estariam entre ele e a redefinição dos valores simbólicos que norteiam nossa sociedade para algo mais à sua imagem e semelhança.
Os estudantes presentes neste ato de São Paulo perceberam isso. No teor de suas faixas, cartazes e palavras de ordem está a defesa de uma educação libertadora, que forme para a cidadania, com espírito crítico, sem perseguição a professores e alunos. Entre os estudantes, há a consciência de que fazem parte de uma resistência ao obscurantismo.
Enquanto isso, muitos são os que reclamam, nas redes sociais, do comportamento dos mais jovens. Gostaria de entender a cabeça de quem passa a vida inteira reclamando que eles fogem da escola e não dão a devida importância à educação e, agora, chama de "baderneiros" quem vai às ruas pedindo uma educação melhor. A questão é, no fundo, a produção de pessoas questionadoras de sua realidade. Querem que a geração mais nova os obedeça.
O Brasil conta com alunos que saem do ensino médio analfabetos funcionais, assiste a roubo, ausência e baixa qualidade da merenda escolar, paga baixos salários aos professores e não fornece estrutura suficiente. Ao invés de pedir para o ministro da Educação concentre seus esforços em resolver estes problemas, passo importante para ganharmos produtividade através da qualificação de nossa mão de obra, Bolsonaro dedicou uma quantidade grande de tempo às guerras culturais, suas golden showers, kit gays e mamadeiras de piroca.
Passou da hora do presidente parar de usar a educação como campo de batalha. O primeiro passo seria indicar, pela primeira vez, alguém para ocupar aquela cadeira vazia no ministério.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.