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Bolsonaro gasta mais energia defendendo armas do que políticas de emprego

Leonardo Sakamoto

18/06/2019 23h13

O presidente Jair Bolsonaro durante a assinatura do decreto sobre o porte de armas. Foto: Adriano Machado / Reuters

Se Bolsonaro usasse metade da energia que gasta defendendo o acesso facilitado a armas de fogo na implementação de políticas para gerar postos de trabalho formais, o futuro do país seria muito melhor.

Sem contar que, muito provavelmente, menos pessoas iriam morrer pelas mãos de gente despreparada portando armas, de bandidos que roubam armas dessa gente despreparada e de "homens de bem" que, armados, querem compensar sua insegurança e traumas mostrando quem manda em casa, no trânsito, no bar.

O Senado decidiu, nesta terça (18), por 47 a 28, derrubar os decretos presidenciais que flexibilizaram o porte e a posse de armas. De acordo com os senadores, os documentos presidenciais estariam legislando, extrapolando, portanto, o mandato do Poder Executivo. Enquanto a Câmara não analisar a matéria, as regras bolsonaristas continuam valendo. Ou seja, até lá civis poderão se aproveitar dos decretos e estocar munição suficiente para começar uma guerra.

Guerra que o próprio presidente da República saudou, no último sábado, quando disse que defendia o armamento dos indivíduos para que eles garantissem, junto com as Forças Armadas, seus direitos contra governos tirânicos. É grave um presidente sugerir que o povo prefira armas e não leis para defender a liberdade em um país democrático. Na prática, ele está desejando a formação de milícias para defender uma "República Bolsonariana". Qualquer semelhança com a Venezuela não é mera coincidência.

As redes bolsonaristas travaram uma batalha nesta terça, pressionando e ameaçando para que votassem a favor. Até boletins de ocorrência foram registrados pelos senadores. As hordas digitais esquecem, contudo, que não estão mais na campanha eleitoral em que a coação surte efeito. No Congresso, é mais fácil enraivecer um dos 81 senadores ou um dos 513 deputados federais com bullying digital do que fazê-los votar conforme o interesse do agressor.

O Supremo Tribunal Federal deve analisar, na próxima semana, ações que julgam a constitucionalidade dos decretos. A chance de serem derrubados é grande. Ações como essas, em que os Poderes Legislativo e Judiciário freiam os exageros do Palácio do Planalto enervam o presidente. Se o Congresso ou o Supremo conseguirem segurar essa aberração produzida por Bolsonaro será um indício que nossa democracia, por mais machucada que esteja, ainda opera com os freios e contrapesos esperados.

Se assim for, ao menos, Bolsonaro poderá, ao final de todo esse quiprocó, contar ao naco de seus eleitores mais radicais e fiéis que ele tentou, de todas as formas, entregar armas ao povo (como, vejam só novamente, na Venezuela de Chávez e Maduro), mas não deixaram. Poderá, dessa forma, quitar um compromisso de campanha.

Vale lembrar, contudo, que ele não foi eleito apenas com os votos dos bolsonaristas-raiz. A maioria dos que nele depositaram sua preferência e o restante que não votou nele, mas que é por ele governado, esperam que atuasse mais firmemente contra um desemprego que supera os 13 milhões e um subemprego de mais de 28 milhões. Como já disse aqui antes, Bolsonaro não é o responsável pela situação, que vem de governos anteriores. Mas à medida que seu governo envelhece sem políticas de emprego, o capitão vai se tornando mais e mais responsável pela realidade que o cerca.

Talvez se os desempregados se fantasiassem de pistola ou revólver chamariam mais a atenção do presidente.

Em tempo: o senador Flávio Bolsonaro afirmou durante a defesa dos decretos armamentistas do governo: "vamos falar para a mulher que está sendo estuprada que ela pode tacar um livro na cabeça do estuprador e não dar um tiro para defender sua vida e sua integridade física" – em registro de Daniel Carvalho, da Folha de S.Paulo. Nada sobre a responsabilidade do homem que está cometendo o crime, do machismo que normaliza situações como essa ou do Estado que não protege ou pune como deveria. Diante desse lapso, o senador poderia se lembrar que em outros assuntos pendentes. Por exemplo, ir prestar esclarecimentos sobre as "movimentações atípicas", em suas contas, no Ministério Público do Rio de Janeiro. E ajudar a responder a pergunta: onde está o Queiroz?

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto