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Quer que Bolsonaro defenda você na Reforma da Previdência? Vá fardado

Leonardo Sakamoto

03/07/2019 18h43

Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

"Vou resolver o caso de vocês, viu?", disse Bolsonaro a um grupo de PMs, nesta quarta (3), um dia após ter sido chamado de "traidor" por policiais civis e federais que protestavam contra a Reforma da Previdência, em Brasília.

A partir do momento em que ele passou a articular em benefício das forças de segurança, perdeu qualquer resquício de justificativa do "combate aos privilégios" para tentar aprovar seu projeto. Pois, independentemente das demandas dessas categorias serem justas ou não, elas estão representadas pelo presidente da República – que se mexeu para conseguir dar a elas condições mais vantajosas que para o restante dos mortais. Esse luxo poucos têm.

As ações de Bolsonaro são suficientes também para que o ministério da Economia não tenha mais moral para reclamar dos representantes de outras carreiras do funcionalismo público que pedem revisão nas propostas de mudanças na Previdência Pública.

Este será um excelente momento, aliás, para verificar se o brasileiro ainda não desistiu de sua própria dignidade. Pois Bolsonaro agiu para preservar policiais, bombeiros e militares de tungada maior em suas aposentadorias enquanto impõe sacrifícios a milhões. E de forma escancarada. Era certo que ele, que começou como representante dos interesses de soldados, cabos e sargentos no Congresso Nacional, em algum momento, iria tentar virar a mesa. Mas, assim, numa ação lustrada com óleo de peroba, é sempre mais surpreendente.

O projeto da Reforma da Previdência tem sofrido mudanças influenciadas por categorias de trabalhadores. Um dos exemplos mais claros foram os rurais, que apresentaram suas razões a deputados. Para eles, a manutenção das propostas do governo no relatório de Samuel Moreira tornariam sua aposentadoria uma peça de ficção. Isso é natural e faz parte do debate democrático. O que é estranho é Messias adotar uma categoria para chamar de seu Povo Escolhido em detrimento a tantas outras que têm suas justificativas para receberem tratamento diferenciado.

Diante dos avisos daqueles que exercem o poder pela baioneta, tribuna ou caneta, não deve sobrar muito espaço para o presidente ouvir os argumentos daqueles que nunca tiveram muita autonomia econômica sobre suas próprias vidas. E que apesar de serem representados por alguns sindicatos, defensores públicos, advogados, procuradores e sociedade civil, saem em larga desvantagem. Como bem lembrou a este blog o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição, o relatório da reforma manteve o aumento do tempo de contribuição mínima de 15 para 20 anos para homens. Considerando nossa imensa informalidade, muita gente não vai se aposentar. Se der sorte, entra na fila do BPC.

A Reforma da Previdência precisaria de um debate mais aberto, franco e sem pressa para podermos redesenhar, de forma democrática, como será a política de aposentadoria que um Brasil mais velho deverá ter. Mas, nas eleições, preferimos discutir o futuro da mítica mamadeira de piroca e da Venezuela. Nessa eleição ultrapolarizada, projetos de país não foram debatidos como precisaríamos.

Isso não significa, contudo, que a população entregou um cheque em branco ao vencedor – pesquisas que mostram preocupação com a Reforma da Previdência provam isso. O presidente, contudo, parece não se importar com isso. Nem bem se completaram seis meses de mandato e o seu talão já está quase vazio.

Em tempo: imagina uma Polícia Federal infeliz e insatisfeita no governo Bolsonaro…

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto