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Deputados desarmam bomba social da reforma ao reduzir contribuição mínima

Leonardo Sakamoto

12/07/2019 09h11

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

O plenário da Câmara dos Deputados desarmou uma das principais bombas sociais da Reforma da Previdência, na madrugada desta sexta (12), ao retirar o aumento do tempo mínimo de contribuição para homens de 15 para 20 anos. A medida era considerada especialmente dura para a população pobre uma vez que a alta taxa de informalidade do país faria com que parte significativa dos trabalhadores não alcançasse a carência mínima e, portanto, não se aposentasse. Um problema que explodiria anos adiante, no colo de outro governo.

O destaque, apresentado pelo PSB, foi aprovado por 445 votos a 15 após ser costurado um acordo com os líderes partidários e a cúpula da Câmara ao longo do dia. A mudança também deve amenizar o impacto negativo sobre a imagem de deputados federais junto aos extratos mais vulneráveis de suas bases eleitorais causado pela aprovação da reforma.

"Das crueldades da proposta, conseguimos retirar a mais cruel e a mais excludente. Ela impediria o acesso de milhões de brasileiros à aposentadoria", afirmou ao blog o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ). "Isso é fruto de luta, através de obstrução, de impor uma serie de dificuldades para a proposta do governo avançar, mas também de diálogo, usando argumentos. Não é simplesmente votar contra, mas debater."

O governo Bolsonaro havia proposto no projeto original da reforma que o tempo mínimo de contribuição passasse para 20 anos, ou seja, iria de 180 para 240 pagamentos mensais. 

De acordo com Molon, se a Reforma da Previdência estivesse valendo com a regra de 20 anos em 2016, 90% da mulheres e 57% dos homens não teriam se aposentado. "Boa parte dos trabalhadores não consegue contribuir por todos os meses do ano por não estar formalmente contratado. O homem que chegou aos 65 anos, na prática vai se aposentar aos 77. E é o cara que trabalha na limpeza, na construção civil, o trabalhador braçal." Segundo ele, países com pirâmide etária mais envelhecida que a do Brasil contam com contribuição mínima menor e cita Portugal, Espanha, Áustria, como exemplo de 15 anos, Japão, Reino Unido e Estados Unidos, dez anos, e Alemanha, cinco.

O governo havia defendido a manutenção desse ponto afirmando que, em último caso, os trabalhadores que não conseguissem atingir esse patamar seriam protegidos pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), o salário mínimo pago como assistência social a pessoas em condição de miséria a partir dos 65 anos.

A justificativa é frágil. Primeiro, porque essa pessoa contribuiu ao longo da vida e quer o direito à sua aposentadoria, que traz mais benefícios que o BPC. Além disso, para alcançar a situação de miserabilidade (cujo principal critério tem sido a renda familiar per capita de até um quarto de salário mínimo, ou seja, R$ 249,50/mês), ela terá que, provavelmente, depreciar sua qualidade de vida atual. E caso houver alguém em casa com alguma outra fonte de renda, o trabalhador ficaria em uma espécie de limbo – sem aposentadoria, nem BPC.

Molon dá o exemplo de um homem e uma mulher que trabalham e os filhos já saíram de casa. Ela se aposenta primeiro, aos 62 anos (nova idade mínima) e passa a ganhar o salário mínimo por ter contribuído por 15 anos. Mas ele não consegue chegar aos 20 anos de carência aos seus 65 anos de idade e vai pedir o BPC. Contudo, como sua esposa já ganha um salário mínimo, a renda per capita da casa é de meio SM e seria necessário um quarto de SM para receber o benefício. Ambos, que hoje viveriam com dois salários de aposentadoria, terão que dividir apenas um.

Vale ainda lembrar que parte dos idosos em situação de miséria que recebe o benefício assistencial de um salário mínimo por mês contribuiu para a Previdência Social em momentos de sua vida. O que contradiz o argumento que foi usado por representantes do governo federal no intuito de defender as mudanças no BPC que estavam na reforma. O que ocorre é que esses trabalhadores não conseguiram permanecer formalmente empregados tempo o suficiente para cumprir a carência e fazer jus à aposentadoria.

"O BPC atende os grupos de mais baixa renda da população brasileira. A população idosa beneficiada pelo BPC tem um histórico de inserção precária no mercado de trabalho. Muitos desses beneficiados contribuíram para a Previdência Social em certos períodos de sua vida laboral, mas permaneceram excluídos do benefício da aposentadoria pois não conseguiram alcançar os 15 anos de contribuição." A análise é de Luciana Jaccoud, doutora em sociologia pela Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, especialista no tema, que estuda, em entrevista ao blog. Ou seja, mantidos os 20 anos de contribuição, trabalhadores carregariam o caixa da Previdência, mas nunca se beneficiariam do valor que recolheram.

A comissão especial que tratou da reforma derrubou as mudanças no BPC propostas por Bolsonaro, que postergavam o acesso a um salário mínimo integral dos 65 para os 70 anos, dando em contrapartida R$ 400,00 a partir dos 60.

Sabendo que o aumento dos 15 para os 20 anos de contribuição mínima levaria a milhões saltarem da fila do INSS para a do BPC, o governo federal quis dificultar o acesso à assistência social. Ou seja, esta bomba dos 20 anos de contribuição mínima para homens que estão na ativa estava intimamente ligada à bomba do BPC, desativada anteriormente após pressão popular. 

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto