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Flávio não fugiria do MP se a "nova política" de Bolsonaro fosse real

Leonardo Sakamoto

16/07/2019 18h22

Em foto publicada no Instagram, o senador eleito Flavio Bolsonaro posa com Fabricio Queiroz, ex-assessor parlamentar

"Venham pra cima de mim! Não vão me pegar." Em maio, o presidente da República fustigou o Ministério Público, que investiga seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), em um caso de lavagem de dinheiro e organização criminosa. Disse que desde o começo do seu mandato, "o pessoal está atrás de mim o tempo todo, usando a minha família". A paranóica declaração presidencial parte do pressuposto que o alvo é derrubar o chefe do Poder Executivo, mas esquece que o problema é estrutural e familiar.

O mais novo capítulo dessa história aconteceu, nesta segunda (15), quando o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, atendeu a um pedido da defesa do senador e suspendeu os inquéritos na Justiça contra ele que tenham partido de órgãos como o Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) sem autorização judicial prévia. Com isso, a investigação em curso no Ministério Público do Rio de Janeiro contra ele e seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, ficam paralisadas.

A defesa do filho 01 do presidente pediu para esperar a análise de um caso no STF, previsto para ocorrer no final de novembro, sobre a possibilidade de compartilhamento de dados por órgãos que detectam irregularidades, como o Coaf e o Banco Central, sem pedido judicial. A decisão pode criar afetar outros processos, uma vez que vale para investigações semelhantes que devem paralisadas até a decisão dos ministros da corte.

Dados do Coaf haviam indicado "movimentações atípicas" que levaram à solicitação e posterior quebra dos sigilos fiscal e bancário de Flávio, Queiroz e outras dezenas de pessoas. O quadro apontava para uma drenagem dos cofres públicos a partir do desvio de remuneração de funcionários reais ou de assessores-fantasmas. Os investigados não trabalharam apenas no gabinete de Flávio, quando ele era deputado estadual pelo Rio, mas também no do então deputado federal Jair.

A corrupção não é o único dos temores. O caso pode aprofundar relações entre a família Bolsonaro e milícias, lembrando que a esposa e a mãe de Adriano da Nóbrega, um dos líderes do "Escritório do Crime", eram funcionárias de Flávio e tiveram seus sigilos quebrados.

Por mais que tenha ficado 28 anos no Congresso, o presidente nunca fez parte do centro do poder e usou isso em sua campanha eleitoral para convencer de que representaria o "novo" na política e nadaria em transparência. O problema é que a "nova política" de Bolsonaro nunca pediu ao filho que fosse depor no MP-RJ, independentemente de convite da instituição, para se antecipar e esclarecer tudo. Da mesma forma, a "nova política", que se vendia como ilibada, comprou votos através de emendas milionárias e cargos no governo a fim de garantir a aprovação da Reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara dos Deputados.

Sem entrar no mérito da decisão do STF, há uma questão anterior, de transparência de uma família com quatro homens públicos que influenciam nos destinos do país pelo fato do presidente governar como um chefe de clã.

Não adianta exigir que o BNDES divulgue dados sobre empréstimos, reclamando de uma suposta "caixa preta" do Estado, se Bolsonaro fica irritado diante de repórteres que trazem pedidos de explicação sobre as movimentações de sua família. Para um governo que acredita no poder transformador da "verdade", é incompreensível que ela seja jogada sistematicamente para baixo do tapete desde o início de dezembro, quando o caso foi divulgado pelo jornal O Estado de S.Paulo.

Bolsonaro deveria zelar pela transparência como pilar da democracia. E responder perguntas que estão por aí, há meses. Vamos a elas, mais uma vez:

Qual a origem da movimentação de R$ 1,2 milhão nas contas de Fabrício Queiroz, que deu origem a todo esse caso? Por que não há registros de compra e venda de carros, atividade que Queiroz usou para justificar o dinheiro? Por que funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro depositaram recursos nas contas de Queiroz? Todos os funcionários que trabalhavam nos gabinetes de Flávio e de Jair cumpriam suas atribuições diárias? Aliás, todos eles existiam como funcionários? Como foi o empréstimo que Bolsonaro diz ter feito a Queiroz, que justificaria o depósito de R$ 24 mil na conta da hoje primeira-dama e quando foram devolvidos os outros R$ 16 mi do total de R$ 40 mil citados pelo presidente? Qual as origens das outras movimentações milionárias identificadas cuja explicação dada pelo senador deixou mais dúvidas do que respostas? Por que o ministro Sérgio Moro, com larga experiência em investigações, denúncias e julgamentos de "movimentações atípicas", não tem nada a dizer sobre o caso? Onde está a lista de assessores informais na base eleitoral de Flávio pagos com o dinheiro que Queiroz afirmava recolher dos funcionários na Alerj? Recursos públicos desviados da Assembleia beneficiaram milícias? Por que Flávio não abriu um imobiliária ao invés de uma loja de chocolates, uma vez que sabe "fazer dinheiro" com compra e venda de imóveis? Por que a laranja dá tão bem em solo brasileiro? E, claro, onde está o Queiroz?

Em tempo: na próxima manifestação bolsonarista de rua, haverá um pixuleco do senador Flávio ao lado do de Lula?

 

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto