Após morte de trabalhador, 17 são resgatados da escravidão em desmatamento
Leonardo Sakamoto
12/09/2019 13h24
Caminhão com toras de madeira derrubadas por grupo de trabalhadores resgatados da escravidão em Rondônia. Fotos: Grupo Especial de Fiscalização Móvel/ME
O grupo móvel de fiscalização resgatou 17 trabalhadores de condições análogas às de escravo que atuavam na derrubada de mata nativa e carregamento de toras em caminhões, na fazenda Santa Rita de Cássia, em Pimenta Bueno, Estado de Rondônia. A equipe chegou ao grupo por causa da denúncia da morte de um trabalhador atingido por uma árvore durante o desmatamento.
Mais de 54 mil pessoas foram resgatadas dessas condições pelo governo brasileiro desde 1995, de acordo com o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.
Além dos auditores fiscais do trabalho, ligados ao Ministério da Economia, a operação contou com a participação da Polícia Rodoviária Federal, do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública da União. O empregador, Valdinei Correa Pereira, não foi localizado por esta reportagem. Tão logo consiga seu posicionamento, atualizará este texto.
De acordo com a auditora Andrea Donin, coordenadora da operação, os 17 estavam em condições degradantes de trabalho e atuavam sob grave risco para sua segurança e vida. Inicialmente, eles estava dormindo na mata, mas os trabalhadores relataram a ela que, após a morte do colega, o empregador os retirou de lá e trouxe para a sede da fazenda por medo de fiscalização.
"Contudo, a situação precária não mudou. Havia uma instalação sanitária, mas não era permitido que os trabalhadores usassem, tendo que usar o mato. A água, eles tiravam de um córrego. Estavam dormindo no chão ou em barracas. Não havia condições mínimas", explica.
Desmanchar os barracos de lona com um trator para que ninguém soubesse que havia trabalhadores naquelas condições foi a única providência tomada após a morte, mas nada foi feito para melhorar a segurança dos trabalhadores. A fiscalização, que começou no dia 3 de setembro, interditou a frente de trabalho por risco grave e iminente para a vida.
A morte do trabalhador ocorreu no último dia 22, segundo a fiscalização. Ele estava cortando uma árvore grande que, quando caiu, bateu em outras e um galho de uma delas o atingiu. Não havia preparo do terreno para a derrubada, nem rotas de fuga. De acordo com o depoimentos dos trabalhadores, a razão é que o empregador estaria com pressa. O objetivo era limpar a área de mata nativa para o plantio de eucalipto ainda em outubro.
Ou seja, trabalho escravo sendo usado para substituir floresta amazônica por monocultura de eucalipto.
A mãe e o irmão do trabalhador foram dois dos 17 resgatados na frente de trabalho. A mãe – que atuava como cozinheira do grupo – afirmou que precisava trabalhar e, por isso, continuaram ali mesmo após a morte de seu filho. Como ninguém era registrado como empregados da fazenda, a esposa terá que entrar na Justiça pelo direito a ter pensão pelo INSS.
"Conversar com a mãe foi bem triste. Saber que, mesmo depois do ocorrido, a vida dos trabalhadores não mudou", afirma Andrea Donin.
De acordo com o grupo de fiscalização, a madeira extraída tinha como destino uma usina termelétrica da região. O empregador disse que tinha autorização para o desmate, mas não a apresentou.
O empregador afirmou que não contava com todos os recursos para o pagamento dos trabalhadores. Quitou uma parte da remuneração de cinco deles em dinheiro, afirmou que teria feito transferência bancária de uma parte para o restante e quitaria o que faltou no próxima dia 14. Segundo ele, teria aberto conta para os trabalhadores, que antes não as tinham.
O Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União estão acompanhando o caso e o Ministério Público Federal será comunicado da situação para garantir o pagamento dos valores devidos.
Trabalho escravo
A Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, aboliu a escravidão, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhecia que alguém fosse dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade. Desde a década de 40, nosso Código Penal prevê, em seu artigo 149, a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Post atualizado às 14h50, do dia 12/09/2019, para inclusão de informações sobre o empregador.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.