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Se Bolsonaro for à ONU (e for sincero), o Brasil vai passar vergonha

Leonardo Sakamoto

18/09/2019 15h24

Imagem: Laerte

Jair Bolsonaro, caso esteja recuperado de sua última cirurgia, deve fazer o discurso de abertura na Assembleia Geral das Nações Unidas, na próxima terça (24), em Nova York. Seus assessores dizem que sua fala será conciliatória e repetirá o blá-blá-blá vazio da soberania para francês ver.

Caso o presidente seja sincero sobre o que pensa de meio ambiente, floresta amazônica, proteção de indígenas e quilombolas, direitos da população LGBTQ+, trabalho infantil e trabalho escravo, desenvolvimento sustentável, respeito a migrantes estrangeiros pobres e refugiados, equidade de gênero, corrupção, nepotismo, liberdade de imprensa, direitos humanos, civilidade, enfim, a vida, deve causar surpresa e espanto mesmo a diplomatas acostumados com o diferente e o bizarro.

Se assim for, nossos produtos vão perder mercado e nossas empresas, investidores.

Por isso, ele deve tentar mostrar que sua administração vem protegendo os biomas brasileiros (sic), mantendo a dignidade aos povos e trabalhadores (sic), abraçando as liberdades e proteções previstas em acordos e tratados ratificados pelo país (sic) e garantindo que todos os produtos e empreendimentos brasileiros tenham qualidade social e ambiental (sic).

A diplomacia pode ser hipócrita, mas não rasga dinheiro. Pelo menos, em tese. Se ela prevalecer, será engraçado ver um "Bolsonaro para Exportação", diferente daquela figura que vem marcando sua presidência entre declarações sobre cocôs e publicações de golden showers.

Na primeira oportunidade de falar como presidente em um evento internacional, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em janeiro, Bolsonaro disse muito pouco. Mas o suficiente para passar vergonha. Em um discurso genérico e vazio de menos de 15 minutos — quando dispunha, pelos organizadores de 45 — Bolsonaro, ao invés de transmitir os planos, dados e metas que os Chefes de Estado costumam apresentar em Davos, convidou os presentes a irem fazer turismo no Brasil e apresentou um par de informações falsas. Conforme analistas presentes, incluindo o Prêmio Nobel de Economia Robert Schiller e a jornalista chefe do Washington Post, Heather Long, o discurso foi um grande fracasso, e deixou o presidente brasileiro carimbado como alguém medíocre.

O presidente sente-se mais à vontade nos ambientes amigáveis, como nas visitas aos governos israelense e norte-americano. Tão à vontade que chega também a passar vergonha junto à sociedade e a mídia locais. Em abril, após visitar o Memorial do Holocausto, afirmou que o nazismo foi um movimento de esquerda. Em março, ao lado de Donald Trump, disse que ambos os países estão irmanados na luta contra a "ideologia de gênero", o "politicamente correto" e as "fake news". Foi criticado até pela conservadora Fox News.

Por dever de ofício, acompanho a Assembleia Geral das Nações Unidas, in loco, há anos. Ao Brasil, cabe, historicamente, o discurso de abertura. Como, na sequência, fala o presidente dos Estados Unidos, os olhos de todos os governos e da imprensa estarão voltados para aquele púlpito.

Seria, portanto, um momento didático: Mundo, isto é Bolsonaro. Bolsonaro, este é o mundo.

Não acho que o mundo vai se retirar do plenário da Assembleia Geral. Michel Temer passou por isso por governos contrariados por aquilo que, hoje, ele mesmo chama de "golpe". Mas o mundo pode fazer cara de reprovação, balançar negativamente a cabeça, dar risada irônica e fazer beicinho enquanto ele estiver lendo o discurso no púlpito. Uma coisa é você receber isso da oposição em seu país, a outra é a humilhação de sentir isso de forma global.

Costuma-se dizer que governantes não fazem discursos para os outros países na Assembleia Geral, mas para o seu próprio, quase como uma autopromoção. Contudo, depois de uma crise internacional por conta do fogo na Amazônia e de respostas agressivas do governo brasileiro, o mundo está curioso com o pronunciamento de Mr. Bolsonaro. Pelo que verifiquei, fundos de investimento bilionários com preocupação socioambiental que contam com dinheiro no Brasil também.

E não é preciso ter uma Abin grampeando ligações ou invadindo celulares para saber que o mundo faz manifestação. Basta, para isso, dar um Google e ver as movimentações da sociedade civil organizada brasileira e internacional se preparando para acolher o presidente com carinho.

Quando foi anunciado que Jair Bolsonaro seria homenageado como a "Personalidade do Ano" pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, com cerimônia em Nova York, as empresas e instituições apoiadoras e patrocinadoras do evento passaram a ser alvos de críticas, reclamações e protestos. No dia 3 de maio, o presidente informou que, diante dos ataques, não iria mais receber seu prêmio na cidade.

O Museu de História Natural, que hospedaria inicialmente o evento, voltou atrás, devido às suas posições sobre o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável e as mudanças climáticas – que vão contramão daquilo que é defendido pela instituição. O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, do Partido Democrata, disse que Bolsonaro não era bem-vindo, chamando-o de "um homem perigoso", racista e homofóbico e elogiando a decisão do museu. Deputados e congressistas norte-americanos passaram a criticar tanto o hotel Marriott Marquis, substituto escolhido para receber o jantar de gala, quanto as empresas patrocinadoras. Na pauta de reclamações, estavam as históricas declarações homolesbotransfóbicas, machistas, racistas e preconceituosas de Bolsonaro. A Delta Airlines, a Bain & Company e o Financial Times tomaram o mesmo rumo do Museu de História Natural e caíram fora.

Se não tivesse desistido, saberia que o mundo produz cartazes como "Bolsonaro, o carrasco da Amazônia" ou "Bolsonaro é homofóbico" e vai fazer questão de mostrá-los.

Não é incomum governantes mentirem para o mundo naquele púlpito às margens do East River. Talvez ele opte por um discurso que fale, fale, fale, mas não diga nada. Tudo em nome do comércio e de investimentos, que receberam uma pancada com as queimadas na Amazônia.

Uma coisa é discordar do que ele dirá, a outra é torcer para que ele não diga nenhuma bobagem. De qualquer maneira, é triste que uma parte significativa dos brasileiros esteja com medo do seu presidente causar vergonha ao país frente às outras nações. Isso é algo que ele não tinha o direito de nos causar.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto