Silêncio de Witzel sobre morte de Ágatha é covardia política
Leonardo Sakamoto
22/09/2019 06h24
Sempre que pode, o governador Wilson Witzel dá uma declaração violenta e inapropriada, incitando as forças de segurança do Rio de Janeiro a aprofundarem a guerra contra sua própria gente e concedendo um salvo-conduto retórico para que matem sem receio.
"A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro." "Teria dado um tiro na cabeça." "Cova, a gente cava." "Cadáveres não estão no meu colo, estão no de vocês, que não deixam que as polícias façam o trabalho que tem que ser feito." "Criminosos serão combatidos e caçados nas comunidades." Frases que misturam mistura policial, promotor, juiz e carrasco e que veem bairros pobres como ameaças.
Da mesma forma, sempre que pode, não pensa duas vezes antes de se promover. No dia 20 de agosto, por exemplo, após um policial matar o sequestrador de um ônibus na ponte Rio-Niterói, ele chegou de helicóptero na via, para capitalizar a tragédia, dando pulinhos e festejando de braços abertos. Atrás dele, uma pessoa corria com um celular na mão, gravando a cena patética.
A menina Ágatha Félix, negra, de oito anos, foi morta por um tiro de fuzil pelas costas, quando estava com sua mãe em uma kombi, durante uma operação policial, no Complexo do Alemão, causando uma onda de indignação. Não foi a primeira, nem a última vítima da falida guerra às drogas. Mas a idade, a cor de pele, as circunstâncias, o contexto, a dor da família, suas fotos sorridentes circulando pelas redes, combinados com a sistemática promoção da violência pelo governador, transformou a situação em um bom exemplo do buraco em que o Rio está cavando para si mesmo. Lembrando que essa promoção coloca policiais honestos em risco em um trabalho mal remunerado.
Mas, Witzel, que fala pelos cotovelos e gosta de se exibir, não se pronunciou sobre a morte de Ágatha. Mandou terceiros se manifestarem pelo governo, dizendo que não há indícios de que o disparo tenha partido da polícia, apesar de testemunhas jurarem o contrário. Sim, ele é rápido em celebrar as mortes daqueles que ele batiza como criminosos (sem o devido processo legal, claro) e se cala diante daquelas que claramente não são (tratando-as como infeliz efeito colateral).
A uma primeira vista, parece ser uma estratégia o fato de Wilson Witzel, que dá oi para a própria sombra, não aparecer para falar sobre a morte de Ágatha. Talvez queira proteger a própria imagem diante de uma situação com potencial para arranhar sua popularidade. Mas, ao que tudo indica, o silêncio é falta de coragem mesmo.
O que é uma pena porque alguém que se elege como Senhor da Guerra do Rio de Janeiro, disputa com milícias e tráfico o papel de quem faz mais mal ao povo e passa a usar o poder para decidir quem vive e quem morre, fazendo disso uma plataforma eleitoral, deveria não ter medo de ir a público e defender sua necropolítica. Governador, venha e orgulhe-se! O terrorismo de Estado não começou no início do ano, mas sua retórica o tirou da ilegalidade e deu a ele um lugar ao sol.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.