Indígenas vão à Europa denunciar governo e reafirmar crise no meio ambiente
Leonardo Sakamoto
29/09/2019 04h00
Indígenas em acampamento na Esplanada dos Ministérios, em frente ao Congresso Nacional. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Uma comitiva com dez lideranças indígenas do Brasil realizará uma série de encontros, em países europeus, entre outubro a novembro, com o objetivo de denunciar "as graves violações contra os povos indígenas e o meio ambiente do Brasil que estão ocorrendo sistematicamente desde a posse do presidente Jair Bolsonaro". E combater as "campanhas de desinformação que apontam que a Amazônia está ótima".
Além de se reunirem com representantes de governos, de empresas e da sociedade civil, também estão agendados encontros com agências das Nações Unidas e outros organismos internacionais.
A viagem deve ocorrer algumas semanas após outra turnê, a do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – que está na Europa para "esclarecer" que o Brasil vem combatendo o desmatamento e deve se manter no Acordo de Paris para o clima. A ação das lideranças indígenas irá se contrapor aos esforços governamentais.
O périplo deve começar no Vaticano, com o Sínodo dos Bispos para a Amazônia – que pretende discutir a ação da igreja na região, a dignidade dos povos tradicionais e o desmatamento, incluindo a relação dos problemas sociais e ambientais às mudanças climáticas. O governo brasileiro vem monitorando os preparativos para o sínodo, acusando setores da Igreja Católica que atuam na Amazônia de ingerência.
Depois, as lideranças planejam passar pela Itália, Alemanha, Suécia, Noruega, Holanda, Bélgica, Suíça, França, Portugal, Reino Unido e Espanha.
De acordo com membros da comitiva que falaram ao blog, eles também vão demandar a promoção de medidas que pressionem o governo brasileiro e parte do agronegócio a cumprirem os compromissos internacionais do qual o Brasil faz parte, não apenas quanto ao clima, mas também sobre os direitos das populações tradicionais. Também vão pedir que instâncias internacionais reconheçam o crime de "ecocídio", para quem desmata e polui o solo e a água.
E irão solicitar a nossos parceiros comerciais que exijam garantias do Brasil de que mercadorias vendidas pelo país não sejam oriundas de áreas com desmatamento ilegal, conflitos envolvendo populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas e camponeses e, claro, trabalho escravo. Viagens dessa natureza não são novidade, mas o contexto é outro, com as críticas internacionais contra o país, a reação dura do governo Bolsonaro e a resposta de compradores e investidores externos.
Críticas a Bolsonaro
Jair Bolsonaro criticou o cacique Raoni, líder indígena caiapó, símbolo da luta ambientalista e pelos direitos dos povos tradicionais, durante seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Disse que "acabou o monopólio do senhor Raoni", afirmando que ele não falava por outros indígenas. O presidente apresentou a indígena e youtuber Ysani Kalapalo como exemplo e leu uma carta para mostrar que um grupo de indígenas agricultores a apoiava.
Em uma live no Facebook, afirmou que líderes europeus cooptaram Raoni – o que enfureceu outros indígenas que consideraram a declaração preconceituosa, uma vez que eles não precisariam de orientação de homens brancos para serem críticos ao governo Bolsonaro.
"Estou com raiva dele até agora", afirmou a liderança indígena Sônia Guajajara, à Repórter Brasil, após ter acompanhado presencialmente, em Nova York, o discurso do presidente na ONU. "Raiva por tudo que está acontecendo aqui hoje." Segundo ela, que é coordenadora-executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), "Bolsonaro representa a maior ameaça ao planeta".
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.