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Bolsonaro quer aprovar nova Reforma Trabalhista sem diálogo com a sociedade

Leonardo Sakamoto

14/11/2019 18h49

Foto: Adriano Machado/Reuters

O programa do governo Bolsonaro para fomentar a contratação de jovens de 18 a 29 anos carrega em seu ventre uma Reforma Trabalhista. A equipe econômica do ministro Paulo Guedes afirma que as medidas vão estimular a geração de empregos. O problema é que deputados federais e senadores terão apenas 120 dias para discutir e decidir se isso procede ou não, uma vez que o governo as encaminhou na forma de Medida Provisória.

Ou seja, as propostas já estão valendo e o Congresso tem esse prazo para aprovar ou o pacote caduca – o que pode ser negativo para a imagem dos parlamentares neste momento de desemprego crônico.

"A Medida Provisória 905 é mais um vergonhoso ataque à classe trabalhadora. É um desrespeito à sociedade e ao parlamento modificar 25 leis sobre o direito dos trabalhadores sem nenhum diálogo", disse ao blog Sérgio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e metalúrgico do ABC paulista.

"Esperamos que o Congresso Nacional seja altivo e devolva imediatamente essa nova Reforma Trabalhista ao governo", afirma.

Esta é a segunda vez que uma Medida Provisória é usada como veículo para tentar aprovar uma Reforma Trabalhista sob a gestão de Bolsonaro e de seu ministro da Economia, Paulo Guedes. A MP 881, editada pelo presidente em 30 de abril, tornou-se um Cavalo de Tróia. Inicialmente apresentada como uma proposta para desburocratizar a vida das empresas, a então MP da "Liberdade Econômica" foi ampliada com dezenas de propostas que alteravam a Consolidação das Leis do Trabalho na comissão especial mista criada para analisá-la no Congresso. Os 19 artigos iniciais tornaram-se mais de 50.

Ao final, as mudanças trabalhistas foram desidratadas na Câmara e no Senado, devido ao desvio da finalidade original do projeto e do tempo exíguo para analisá-las.

"A Reforma Trabalhista, sob Michel Temer, foi aprovada em tempo considerado recorde em 2017. Foi aprovada pela Câmara após 82 dias de tramitação e 75 no Senado. Ou seja, 157 dias. A média de tempo de projetos de iniciativa do Poder Executivo, só na Câmara dos Deputados, costumava ser de 335 dias", explica Helder Santos Amorim, vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT).

Ele lembra que o Senado abriu mão de sua função de poder revisor, aceitando aprovar o texto como veio dos deputados acreditando na promessa de Michel Temer de que editaria uma Medida Provisória para acatar suas sugestões. A reforma foi aprovada, o presidente editou a MP, mas ela caducou na Câmara – que, claro, não tinha interesse algum de ver seu texto alterado. E era um projeto de lei, não uma Medida Provisória, com um limite de tempo curto.

Para o procurador, o governo quer aprovar uma Reforma Trabalhista sem que haja tempo para debater. "De acordo com o ordenamento internacionais, esses temas exigem diálogos tripartites, envolvendo trabalhadores, empregadores e governos. Agora, temos uma Reforma Trabalhista por Medida Provisória com data máxima para apresentação de sugestões até o próximo dia 20. O tempo da discussão das leis não é o mesmo do governo e essa separação de funções deveria ser respeitada", afirma.

Imagem que ilustra crítica da CUT quanto à MP 905. Crédito: Edson Rimonatto

O pacote de Bolsonaro e Guedes inclui medidas para reduzir os custos de contratação de jovens entre 18 e 29 anos para vagas que paguem até 1,5 salário mínimo durante dois anos. Há uma desoneração da folha de pagamento, com a retirada da contribuição patronal de 20% ao INSS, que será bancada com uma taxa de 7,5% a ser cobrada das parcelas de quem recebe seguro-desemprego. Além disso, o recolhimento mensal do FGTS cai de 8% para 2% e a multa por demissão sem justa causa de 40% para 20%.

Mas, além disso, autoriza o trabalho aos domingos (acabando com a remuneração em dobro se o empregador apontar um dia da semana para o descanso); sobe a jornada diária dos bancários de seis para oito horas; reajusta débitos trabalhistas, derrubando de 16% para 6% de correção (considerando a inflação de hoje); limita as multas trabalhistas, obrigando o fiscal a autuar infrações consideradas leves apenas em caso de reincidência; limita os valores das ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho, mesmo em casos graves, como trabalho escravo; entre outros pontos.

E esta é apenas a primeira etapa. Um grupo com a participação de magistrados da Justiça do Trabalho alinhados ao governo prepara uma outra rodada de propostas.

No dia seguinte à apresentação do programa "Emprego Verde Amarelo" ao Senado por Bolsonaro, representantes de partidos da oposição e do centrão teceram críticas a ele, principalmente a ideia de taxar desempregados. Circulou nos corredores do Congresso que "ao invés de criar um Imposto sobre Grandes Fortunas, Bolsonaro preferiu uma Taxação sobre Grandes Pobrezas". Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e candidato do PT à Presidência da República, ouvido pelo blog, afirmou que Bolsonaro "quer o desempregado subsidiando o empregador, quer o desempregado bancando o empregado, o que é um absurdo".

Para Helder Amorim, uma segunda Reforma Trabalhista teria que partir da avaliação, com calma, das reformas anteriores, sem açodamento. "Tem que levar em conta se os efeitos das leis anteriores funcionaram, se geraram emprego e ajudaram a economia a crescer. Mas o governo passou por cima disso e já está propondo uma nova, sem tempo para debater. Isso vai prejudicar a qualidade de vida do trabalhador sem necessariamente melhorar a economia."

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


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