Topo

Leonardo Sakamoto

Zara e o caso da venda do "uniforme de campo de concentração"

Leonardo Sakamoto

29/08/2014 12h01

A Zara, marca da espanhola Inditex, maior empresa de vestuário têxtil do mundo, recolheu uma blusa infantil listrada com um estrela de seis pontas de suas lojas nesta semana. Consumidores reclamaram que a peça se assemelhava aos uniformes usados por judeus em campos de concentração nazistas na Segunda Guerra Mundial.

A empresa afirmou que a inspiração havia sido os velhos filmes de faroeste, mas que pode ter soado como insensibilidade. E pediu desculpas aos consumidores.

O jornal israelense

O jornal israelense "Haaretz" exibe a peça de roupa – retirado de matéria da Folha de S.Paulo

A Zara já havia sido envolvida em um debate semelhante, anos atrás, ao ostentar uma suástica (mais associado ao nazismo, apesar de, antes disso, ser um símbolo para algumas religiões orientais) em alguns de seus acessórios. Justificou que a culpa era de fornecedores externos.

Claro que não acredito que foi intencional por parte da empresa. Nenhum dos casos. Mas isso pouco importa.

Esses casos são interessantes para entender até onde deve ir a responsabilidade de uma grande empresa.

Antigamente, respostas como "putz, isso foi coisa do estagiário e não faz parte da política da companhia" ou "mas a besteira foi cometida por um terceirizado e não por nós" eram mais facilmente aceitas. O argumento ainda cola, mas não tão facilmente.

E não estou falando de questões legais, até porque a pressão pela liberação total da terceirização de trabalhadores e de responsabilidades, por exemplo, é grande dentro e fora do país.

Mas sim uma percepção por parte do consumidor de que a empresa deve responder por aquilo que entrega a ele – independentemente de como ocorreu o processo de desenvolvimento, produção e logística. Ou se o problema ocorreu dentro da própria empresa ou em sua rede de fornecedores.

E isso é decorrência de um aumento no acesso à informação (possibilitado pela internet) e nas possibilidades de construção coletiva de conceitos e, consequentemente, de indignação (facilitado pelas redes sociais) e de pressão econômica global com resultados reais (com investidores que põem e tiram recursos em bolsas de valores em um piscar de olhos quando pressentem riscos).

Empresas não temem, necessariamente, a perda de consumidores devido a boicotes, porque a memória da população é feito fogo de palha. Mas, sim, a percepção de que investir nelas seja por demais arriscado. Pois é lento o processo de construção de reputações de marcas e rápido o de destruí-las.

Isso tem ocorrido, por exemplo, com a questão do trabalho escravo contemporâneo. Grandes empresas e marcas podem até conseguir decisões judiciais favoráveis a respeito de sua responsabilidade legal ao vender produtos com mão de obra escrava. Mas para o consumidor e a consumidora consciente isso pouco importa.

Eles vão, cada vez mais, querer saber se tinha gente, em condições degradantes, recebendo nada ou muito pouco, enquanto costurava aquela roupa pela qual eles pagaram uma fortuna sob a promessa de qualidade. E vão chiar por conta disso. Pois qualidade não diz respeito apenas a preço e características técnicas, mas se uma mercadoria, ao ser produzida, contaminou algum rio ou escravizou alguém.

Nesse sentido, sorte da Zara que nunca foi envolvida em um caso de trabalho escravo

 

eternamente

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.