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Leonardo Sakamoto

Brasil deveria ser punido por homofobia da torcida nas Olimpíadas

Leonardo Sakamoto

08/08/2016 09h59

Parte da torcida brasileira gritou "bicha" para o goleiro iraquiano no jogo entre as seleções masculinas de futebol, em Brasília, na noite deste domingo (7). E parte significativa, uma vez que os gritos eram ouvidos por quem assistia ao jogo de casa, pela TV. E, infelizmente, pelos registros que circulam nas redes sociais, essa não foi a primeira manifestação homofóbica da torcida brasileira nestes jogos. E olha que estamos apenas no começo.

Como nada aconteceu, as autoridades brasileiras e olímpicas estão mais preocupadas em quem levanta um "Fora, Temer!" do que quem pratica homofobia.

Como bem explicou, neste blog, a professora de Direito da FGV Direitos SP e doutora na área de direitos humanos, Eloísa Machado, impedir manifestações políticas pacíficas que não incitam violência contra terceiros (como é o caso das plaquinhas) é "ilegal e inconstitucional". De acordo com ela, a lei das Olimpíadas não proíbe esse tipo de manifestação política e isso ficou claro nos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal que já analisar a questão anteriormente, ao contrário do que está circulando pela rede.

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Contudo, o artigo 28 da lei 13284/2016, é claro quanto às mensagens ofensivas, que estimulem a discriminação – o que inclui "entoar xingamentos ou cânticos discriminatórios".

Se as Olimpíadas tem como objetivo promover a paz e a harmonia entre os povos, já passou do momento de certas atitudes serem desconsideradas. Afinal, a interpretação das leis não deveria servir para beneficiar apenas os poderosos de plantão, como presidentes interinos ou presidentes afastadas.

Sou contra a sanha punitivista com o indivíduo, uma vez que isso é um processo social amplo. E dada a impossibilidade de interromper a partida e esvaziar da arquibancada, acho que seria cabível (apesar de não previsto na legislação) a perda de pontos que o país conquistar em campo. Ou, nos casos mais graves, a sua desclassificação caso sua torcida presente apelasse para a homofobia, lesbofobia, transfobia ou racismo.

Pode soar um tanto quanto injusto, mas teria o potencial de repercutir em partidas de campeonatos internacionais, nacionais ou regionais em todo o planeta pelos próximos anos e décadas. Seria didático. E já experiências semelhantes em jogos de futebol pelo mundo.

É claro que essas situações constrangedoras continuariam a acontecer e muitas sociedades ainda fariam vistas grossas ou seguiriam dando apoio de forma velada ao preconceito. Mas seria uma indicação de que há coisas que não podem e não devem ser toleradas.

"E se alguém usar uma camisa de outro país? Cadê minha liberdade de expressão? Ah, mas que radicalismo! Deixa o povo se divertir. É só brincadeira. É só esporte."

Não, não é só esporte. Porque esporte é grande demais para ser só esporte. Pois ele é espelho da sociedade que somos e tratado como farol dos valores que desejamos ser. E quando o esporte é palco para agressão da dignidade, não é apenas um determinado grupo, mas toda a sociedade que é atacada.

E não importa se são cem ou mil os que gritaram. Diante de homofobia e racismo, o silêncio por parte dos outros torcedores é sim conivência.

Sabemos que dizer que alguém é "bicha" ou "sapatão" em uma sociedade heteronormativa e machista carrega uma montanha de intenções negativas. O significado não é apenas a orientação sexual, mas todo um pacote de comportamentos fora do padrão que foram equivocadamente imputados a esses grupos ao longo do tempo.

O que não é aleatório, mas sim uma forma de separar o certo e o errado, o quem manda e quem obedece, ditados pelo grupo hegemônico. Como as piadas, que existem em profusão para rir de gays, travestis, negros, mulheres, terreiros, pobres, imigrantes e raramente caçoam de pessoas ricas ou famílias de comerciais de margarina na TV.

Torcedores de futebol, quando entoam coros chamando determinados jogadores de "bicha", que é um termo depreciativo, têm o intuito de transformar uma orientação sexual em xingamento. Reforçam, dessa forma, que ser "bicha" é ser ruim, ser frouxo, medroso, incapaz e tantos outros elementos acrescidos ao significado falsamente aos gays ao longo do tempo.

Nesse caso, o uso da expressão não está atacando apenas o goleiro do Iraque (independentemente da orientação sexual do esportista), mas toda a coletividade, pois reforça preconceitos e questiona a dignidade de determinado grupo.

Da mesma forma, um naco da torcida gritando que um jogador negro é "negro" não seria simples observação da realidade, mas estaria passando um recado cuja intenção é ruim. Assume uma conotação diferente do significado original da palavra, bem distante de gritar que um jogador branco é "branco" em uma torcida de brancos. Pois sabemos bem que certas sociedades dá pesos diferentes a negros e brancos e que o racismo é presente em muitos lugares.

Em suma, se não sabe brincar, não vá ao estádio. Ou, estando lá, não abra a boca.

E, ao governo e à autoridade olímpica: façam seu papel de garantir a dignidade das pessoas. E parem de ser capachos de políticos e patrocinadores.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.