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Leonardo Sakamoto

Governo atualiza "lista suja" do desmatamento

Leonardo Sakamoto

24/03/2009 14h49

O governo federal anunciou, hoje, a ampliação de 36 para 43 os municípios na "lista suja" do desmatamento, responsáveis por 55% do desmatamento na Amazônia Legal no ano passado. Essa é a primeira atualização da lista, lançada em 2007. Os sete municípios incluídos são Feliz Natal (Mato Grosso),  Amarante (Maranhão),  Marabá, Pacajá, Tailândia e Itupiranga (Pará) e Mucajaí (Roraima).

Apenas por curiosidade: cruzando essas informações com os dados do Ministério do Trabalho e Emprego, verifica-se que já houve libertação de pessoas escravizadas em todos esses novos municípios, com exceção do localizado em Roraima. O que não é coincidência, uma vez que trabalho escravo tem sido utilizado na derrubada da floresta amazônica, principalmente para a implantação ou ampliação de pastos e carvoarias.

Fazenda em que houve libertação de escravos usados no desmatamento no Pará - Foto Leonardo SakamotoOs agricultores e pecuaristas desses locais não conseguem novos financiamentos até realizarem um novo mapeamento da área e obterem autorização do Incra. Também fica proibida a emissão de novas licenças ambientais e a liberação de novas áreas para plantio.

Na época em que foi criada pelo governo federal, houve a promessa de que a lista serviria de referência para o mercado evitar commodities produzidas através da devatastação da Amazônia. A própria ex-ministra Marina Silva disse que a idéia é que isso funcionasse como a "lista suja" do trabalho escravo no Brasil (atores do mercado utilizam essa relação, criada em 2003, para evitar empréstimos e cortar relações comerciais). A idéia com a "lista suja" do desmatamento era compartilhar com frigoríficos, tradings de soja, siderúrgicas, usinas de etanol a responsabilidade das fazendas e carvoarias, uma vez que eles também contribuem com a degradação ambiental ao financiar produção sob área irregular. Ainda hoje, aguardam-se dados do Ministério do Meio Ambiente mostrando que isso não era conversa para boi dormir.

Três municípios devem ser excluídos nos próximo meses caso terminem de cumprir as exigências do ministério: Alta Floresta, Porto dos Gaúchos e Nova Maringá, todos no Mato Grosso. Para deixar a relação, o desmatamento no município deve apontar diminuição com relação a anos anteriores, ter sido igual ou inferior a 40 km2 em 2008 e possuir 80% do território georreferenciado.

Seguem os municípios embargados:

Alta Floresta (MT)
Altamira (PA)
Amarante do Maranhão (MA)
Aripuanã (MT)
Brasil Novo (PA)
Brasnorte (MT)
Colniza (MT)
Confresa (MT)
Cotriguaçu (MT)
Cumaru do Norte (PA)
Dom Eliseu (PA)
Feliz Natal (MT)
Gaúcha do Norte (MT)
Itupiranga (PA)
Juara (MT)
Juína (MT)
Lábrea (AM)
Machadinho D'Oeste (RO)
Marabá (PA)
Marcelândia (MT)
Mucajaí (RR)
Nova Bandeirantes (MT)
Nova Mamoré (RO)
Nova Maringá (MT)
Nova Ubiratã (MT)
Novo Progresso (PA)
Novo Repartimento (PA)
Pacajá (PA)
Paragominas (PA)
Paranaíta (MT)
Peixoto de Azevedo (MT)
Pimenta Bueno (RO)
Porto dos Gaúchos (MT)
Porto Velho (RO)
Querência (MT)
Rondon do Pará (PA)
Santa Maria das Barreiras (PA)
Santana do Araguaia (PA)
São Félix do Araguaia (MT)
São Félix do Xingu (PA)
Tailândia (PA)
Ulianópolis (PA)
Vila Rica (MT)

E já que estamos falando de desmatamento e desenvolvimento sustentável: Toda semana aparece alguém, seja político, militar ou empresário, reclamando de entidades não-governamentais, movimentos sociais e associações de populações tradicionais que atuam na Amazônia. Elas estariam fazendo o "jogo" dos interesses estrangeiros ou tentando evitar que o Brasil se torne grande (a velha história do destino do gigante deitado em berço esplêndido…)

Contudo, o que me assusta é a cara de pau dos reclamantes, pois ninguém diz um "opa" sobre as dezenas de empresas estrangeiras que estão por lá, muitas degradando a gente e o meio, e que internacionalizaram a Amazônia há tempos. Boa parte da soja, da carne e do minério da região vai para fora, commodities que são produzidas para responder à demanda mundial.

Há gente séria, mas também grandes companhias que funcionam como nuvens de gafanhotos, comendo o que há pela frente, madeira, terra, água, minério, burlando leis ambientais e desobedecendo as trabalhistas. Alguém reclama disso? Nada, imagina! É o progresso, discurso impregnado entre formadores de opinião, mídia, parte da sociedade civil, que faz esquecer o que significa a expressão "dois pesos, duas medidas".

Ao mesmo tempo, há políticos que, diante das acusações de desmatamento ilegal, eleva o tom e fazem chantagem. Para eles, o país tem que escolher entre seguir as regras ambientais, e passar fome, ou desmatar (e mudar as leis, como o Código Florestal) – e garantir soberania alimentar. Como se houvesse apenas duas alternativas, o que convém a parte dos empresários que lucra fácil com a expansão agropecuária.

Que tal uma terceira alternativa? Uma que inclua um zoneamento econômico da região, dizendo o que pode e o que não pode se produzido, uma regularização fundiária geral, confiscando as terras irregulares, a realização de uma reforma agrária e a garantia que os recursos emprestados pelos governos às pequenas propriedades – as verdadeiras responsáveis por garantir o alimento na mesa dos brasileiros – sejam, pelo menos, da mesma monta que os das grandes. Preservar os direitos das populações tradicionais, cujas áreas possuem as mais altas taxas de conservação do país. Manter o exército na caserna e longe da política, como deveria ter acontecido na transição da ditadura para a república. Enfim, mudar o modelo de desenvolvimento, o que inclui alterar o padrão de consumo, uma vez que nós do Sul Maravilha comemos e bebemos a Amazônia e o Cerrado, arrotando alegria.

Em tempo: As pequenas propriedades representam uma parcela pequena do total da área em que houve desmatamento, mas o Ministério do Meio Ambiente lembrou dos assentamentos rurais nesses municípios na apresentação dos dados hoje, esquecendo de dar aos latifúndios (os grandes responsáveis pela terra arrasada) atenção proporcional ao seu tamanho…

Com informações da Agência Brasil.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.