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Leonardo Sakamoto

Condenação pode afundar Lula. Ou transformá-lo em uma ideia poderosa

Leonardo Sakamoto

24/01/2018 23h30

Foto: Jorge William / Agência O Globo

A condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro joga o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no colo da Lei da Ficha Limpa, o que pode barrar sua candidatura à Presidência da República. Mas a decisão, tomada pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região, nesta quarta (24), não é o fim de uma novela. Pelo contrário, ela pode estar apenas começando.

Segue uma avaliação do contexto e das possibilidades, caso ele queira concorrer – tudo sujeito à alteração, claro. É sempre bom avisar, em tempos de internet, que isso não é uma torcida, mas uma análise. Muitos confundem as coisas…

Os advogados de defesa de Lula vão entrar com embargos de declaração junto à própria segunda instância, ou seja, o TRF-4. O atual entendimento do Supremo Tribunal Federal afirma que o cumprimento da pena "pode" começar após a confirmação da decisão em segunda instância. "Pode", não necessariamente "deve". Esse posicionamento, inclusive, pode mudar em breve se os ministros do STF resolverem rediscutir o assunto.

Nesse período, que poder levar algumas semanas, Lula deve ser lançado pré-candidato pelo PT e rodar o país vendendo a lembrança da boa situação econômica e do emprego durante seu governo. Como os indicadores melhoraram em 2017, mas a economia ainda não deslanchou, principalmente no tocante à geração de vagas com carteira assinada, a recorrência da memória de seu mandato será um cabo eleitoral.

Repetirá à exaustão que outros políticos que foram envolvidos em casos de corrupção não passaram por julgamento por conta de seu foro privilegiado, mesmo ostentando indícios de corrupção grosseiros. Citará o pedido amigo de empréstimo de Aécio Neves a Joesley Batista, da JBS, ou o conjunto da obra de Michel Temer. E, certamente, não falará de Renan Calheiros, pois é seu aliado.

Ao mesmo tempo, continuará comparando a si mesmo com Mandela (que ficou preso 27 anos por lutar contra o racismo) e Tiradentes (enforcado e esquartejado por conspirar pela independência), como fez no discurso para uma multidão na Praça da República, na noite desta quarta, após o resultado do julgamento. São imagens fortes que ele irá construir com a população, preparando-se para uma possível prisão ou uma provável interdição de candidatura.

Confirmado o acórdão da segunda instância, seus advogados pedirão ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal que suspendam os efeitos da condenação, via decisão liminar, enquanto não julgam o mérito do caso. Junto, Lula poderá requisitar a suspensão de sua inegibilidade. Mas, antes, os advogados entrarão com pedidos de habeas corpus para impedir a prisão do ex-presidente. Enquanto algum recurso de Lula ainda estiver tramitando, ele estará apto a concorrer.

Preso ou solto, Lula continuará fazendo campanha. PT e aliados irão escolher alguém para colar na imagem dele, feito tatuagem, pensando em uma futura transferência de votos. Hoje, sabe-se que ele transfere menos do que no passado, mas também menos do que poderá vir a transferir se conseguir manter a candidatura até setembro, quando a política estará em franca ebulição.

Nesse contexto, Fernando Haddad, Jaques Wagner ou um terceiro continente à sua escolha podem ser chamado para ir à guerra. Seria difícil Lula apoiar Ciro Gomes (PDT) – ele acredita que seu ex-ministro não defenderia o seu legado. Guilherme Boulos (possivelmente PSOL) ou Manoela D'Ávila (PC do B) dificilmente receberiam apoio do PT, apesar da proximidade. Afinal, um partido que foi dono de fazenda teria problemas para dividir a horta comunitária.

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Ninguém acredita em uma candidatura competitiva à esquerda tendo Lula como adversário. Mas são poucos no campo próximo a ele que teriam coragem de vir a público, neste momento, para propor nomes a fim de tentar conquistar, ao menos, o patamar de votos que, historicamente, é dado ao petista. E que, de acordo com as pesquisas de opinião, não parece ter se dissolvido. Com a condenação, é duro imaginar o PT dando as costas a seu líder. Pelo contrário, ela pode ser o elemento de identidade reativa na esquerda que eles estavam esperando.

Solto, Lula terá a vantagem de rodar o país anunciando que, muito em breve, vão tirá-lo da jogada por terem medo que ganhe e governe novamente. Vai alimentando o mito. Como estará com a faca no pescoço, pode ser franco-atirador. Mas, ao contrário do que espera uma parte da esquerda, é bem provável que se reconcilie com parte do mercado e do setor produtivo. Um vice empresário, como Josué Gomes da Silva, filho de seu ex-vice, José de Alencar, seria mais uma pitada de simbolismo do retorno ao passado vitorioso.

Preso, Lula terá a vantagem de reforçar o discurso da construção do mártir que voltará para redimir o país. Em uma sociedade cristolaica como a nossa, essa imagem tem força. Imaginem um vídeo de trabalhadores lendo uma carta escrita por ele na cadeia, como num jogral, pedindo para que o povo não perca a fé. "Eles não podem prender um sonho de liberdade, não podem prender as ideias, não podem prender a esperança. Podem prender o Lula, mas a ideia está colocada na cabeça da sociedade brasileira." Não inventei este trecho. Peguei do discurso dele realizado na Praça da República.

Em 15 de agosto, o PT registra sua candidatura. Ele pode estar preso e condenado, não importa, o protocolo tem que aceitar o registro.

O horário eleitoral em rádio e TV começa no dia 31 de agosto. Vai ser um bombardeio de imagens e declarações de que Lula está preso e/ou condenado porque quis defender o povo. A propaganda tem o objetivo de transformar o mártir e o mito na já citada ideia. Que será exaustivamente utilizada por seu partido político no processo eleitoral.

De acordo com Fernando Neisser, advogado especialista em direito eleitoral e um dos coordenadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o prazo máximo para uma decisão da Justiça Eleitoral para julgamento de registros é 17 de setembro. Na prática, esse é o deadline para substituir candidatos em chapas. Porque, logo em seguida, as urnas são carregadas com as informações de todos os concorrentes.

Para Neisser, o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral sobre uma possível candidatura Lula, caso seja antecipado, pode ser realizado em algum momento entre 7 e 11 de setembro. A corte estará sendo presidida por Rosa Weber, mas com presença de Luís Roberto Barroso e Edson Fachin – um trio que certamente não será simpático à demanda do ex-presidente.

Se Lula não tiver conseguido uma liminar que suspenda a condenação criminal, o TSE vai negar a ele o registro.

Ele pode recorrer ao próprio TSE com embargos de declaração. Depois disso há uma série de meandros jurídicos para fazer subir um recurso extraordinário ao Supremo, que não seria julgado em definitivo antes do final do segundo turno. Daí, Lula e o PT têm duas opções: pegam a pessoa que estava como sua tatuagem e a colocam em seu lugar para disputar o primeiro turno ou continuam apostando em Lula.

Se a primeira opção for a escolhida, é provável que ele consiga empurrar seu candidato ou candidata ao segundo turno transferindo os votos. Afinal, o tempo é curto e a comoção será grande. Seu apoio ainda vai contar pontos, mas daí a tatuagem estará por conta própria – podendo inclusive perder. De qualquer forma, terá cumprido outra função importante: ajudar o PT a garantir sua bancada no Congresso Nacional. Sem um nome forte puxando votos, haverá uma óbvia redução do número de cadeiras do partido como resultado das denúncias de corrupção.

Se a segunda opção for a escolhida, a partir da abertura das urnas na noite do primeiro turno, no dia 7 de outubro, Lula aparecerá com zero votos pois teve a candidatura negada pelo TSE, mesmo com o recurso extraordinário em trâmite. O TSE até pode autorizar que ele dispute o segundo turno sob a justificativa de que está recorrendo, como já aconteceu em algumas cidades. Mas essa decisão não está clara na lei. Portanto, mesmo com o recurso, o TSE pode não colocá-lo no segundo turno. Ou seja, é um tiro que pode dar na água.

E se sua presença no segundo turno for negada, passam os outros dois mais votados.

Caso participe do segundo turno e perca para Geraldo Alckmin, Luciano Huck, Jair Bolsonaro, Marina Silva ou alguém como J.Pinto Fernandes, que não estava na história , acabou.

Se tiver conseguido uma (difícil) liminar que suspenda a condenação, ganhar a eleição e, antes da posse, o pleno do STF confirmar a decisão de segunda instância, novas eleições são convocadas. Sim, segundo Fernando Neisser, o mandato não é do segundo colocado automaticamente. Nesse caso, começamos tudo de novo, com eleições em dois turnos para presidente.

Se ganhar e tiver conseguido uma (difícil) liminar que suspende sua condenação criminal ou tiver sido absolvido por um tribunal superior até lá, daí ele vai ser empossado. Caso tenha obtido apenas a liminar, ele toma posse e seu processo congela até o final de seu mandato.

Enfim, Lula pode reduzir de tamanho ou sair maior do que entrou nessa história. Mesmo que não seja eleito. Depende de tantos fatores que é impossível saber a resposta.

Cansou? Imagine, então, para jornalistas, advogados e assessores políticos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.