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Leonardo Sakamoto

Em derrota da barbárie, um Maluf idoso e doente ficará preso em casa

Leonardo Sakamoto

19/04/2018 22h11

O Supremo Tribunal Federal manteve a condenação de Paulo Maluf, nesta quinta (19), mas permitiu que ele continue cumprindo pena em casa devido ao seu estado de saúde debilitado e seus 86 anos.

O ministro Edson Fachin, relator do caso, decidiu pela prisão domiciliar – benefício que o deputado federal já desfrutava desde que José Dias Toffoli lhe concedeu um habeas corpus por razões humanitárias em março. Maluf, condenado a mais de sete anos por lavagem de dinheiro, ficou preso por três meses no presídio da Papuda, em Brasília.

Um relatório do hospital Sírio-Libanês apontou que ele tem câncer de próstata com metástase nos ossos, incontinência urinária, cardiopatia, artéria coronária entupida, anemia, broncopneumonia e hemorragia digestiva alta, entre outros condições clínicas que demandam cuidado.

O STF decidiu pelo caminho do bom senso. Considerando que o país não conta com pena de morte em tempos de paz, apenas em períodos de guerra, manter Maluf na cadeia nessas condições representaria tortura como parte integrante de um ato de vingança – e não manifestação da Justiça.

A Suprema Corte distancia-se, dessa forma, das hordas de bárbaros que demandavam sangue a fim de lavar os incontáveis pecados de um dos políticos mais corruptos e mentirosos da história deste país. Elas querem vê-lo sofrer da mesma forma que ele fez milhões sofrerem com seus desvios de recursos que poderiam ter sido usados para garantir qualidade de vida à população de São Paulo.

Mal percebem que a cada vez que defendem o "olho por olho, dente por dente" ou que Maluf  "morra na cadeia", caminham para longe de uma sociedade baseada no respeito à dignidade e se aproximam da sociopatia do próprio Maluf.

Considero-o uma das mais nefastas figuras da política, mas seu sofrimento aos 86 anos não servirá de exemplo para dissuadir ninguém. Pelo contrário, só demonstrará que somos incapazes de punir alguém decentemente.

Como já descrevi aqui anteriormente, a situação mostra que falhamos duplamente. Pois a prisão de Maluf, apenas em dezembro do ano passado, é retrato de nossa incompetência em manter um sistema seletivo de Justiça que prefere ricos a pobres e poderosos a fracos. Mas também retrato da incapacidade de entender que uma pessoa nessa idade não deveria ser submetida ao sistema prisional medieval que temos. Seja ela quem for.

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O mais interessante é que as hordas de bárbaros que lançaram chorume nas redes sociais logo após a decisão de Fachin ser comunicada preferem gastar tempo desejando a morte de um idoso do que se organizando para pressionar o Congresso Nacional a adotar leis mais rigorosas para quem desvia recursos públicos. Regras que não apenas peguem de volta os valores desviados, mas também confisquem boa parte do patrimônio de quem roubou patrimônio público.

O que não é fácil, admitido, uma vez que, no Brasil, a propriedade privada é mais importante que a liberdade e a vida.

A irônica prova disso é que algumas das pessoas que pedem Maluf morrendo na cadeia por ter desviado os recursos que seriam usados para sua construção de casas populares são as mesmas que comemoram quando a polícia senta a borracha no lombo de trabalhadores sem-teto que ocupam um terreno por falta de lugar para morar. A equação "propriedade > dignidade" não está apenas na cabeça dos mais ricos, mas foi devidamente ensinada à toda população, que se torna cão de guarda do sistema.

A violência física dentro dos presídios não é a principal responsável pelas mortes dos detentos, apesar da sensação que as cenas violentas de rebeliões com peladas que usam cabeças decapitadas possam transmitir. A maior parte, de acordo com o Ministério da Justiça, é provocada por doenças como tuberculose, sífilis, hanseníase, leptospirose, HIV/Aids e infecções de pele, como a sarna. Ou seja, a violência que mata pobre na cadeia é o descaso.

Não há plano de prevenção, medicamentos, o esgoto corre nas celas à céu aberto, ratos roem a carne e urinam e defecam nas pessoas, baratas passeiam por todos os cantos, comida apodrece sendo maternidade de microorganismos. Isso multiplicado pela superlotação. Nada de bom pode brotar disso, o que só fortalece as facções criminosas que protegem os seus dentro das cadeias.

No Rio, 517 presos morreram em decorrência de doenças entre janeiro de 2015 e o início de agosto do ano passado. Enquanto isso, 37 foram assassinados em suas celas. Em São Paulo, foram 443, entre 2015 e 2016. Números trazidos por reportagem de Flávio Costa e Paula Bianchi, do UOL, sobre o tema mostram que a população encarcerada tem 28 vezes mais chance de contrair tuberculose e a taxa de prevalência de HIV/Aids é de 1,3% dos presos – três vezes mais do que no restante da sociedade.

Apesar da decisão do Supremo com relação a Maluf ser de caráter individual, o Conselho Nacional de Justiça deveria demandar levantamentos nacionais que pudessem ajudar os defensores públicos a estender o benefício a outros condenados idosos e/ou gravemente doentes.

E recomendar uma mudança de postura a juízes, desembargadores e ministros. Pois quando os advogados públicos conseguem identificar os casos e levá-los à decisão judicial, não raro os magistrados negam o benefício, condenando essas pessoas à morte.

Não gritamos por décadas que Paulo Maluf não é melhor que ninguém e que deveria ser tratado como todos os outros? Pois bem, todos os outros também deveriam ser tratados como Maluf.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.