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Leonardo Sakamoto

Governo chama de "Lei Áurea" proposta que dificulta vida de aposentados

Leonardo Sakamoto

10/08/2019 13h15

Onyx Lorenzoni e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O governo federal segue obcecado pela mudança no sistema de aposentadorias brasileiro, deixando o de repartição (em que os da ativa contribuem para pagar os que estão aposentados) em direção ao de capitalização (em que cada trabalhador faz uma poupança individual ao longo da vida). Neste sábado (10), o ministro-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni afirmou que seu colega da área econômica, Paulo Guedes, está preparando uma proposta de emenda à Constituição sobre o tema para ser enviada ao Congresso Nacional.

Pelo menos, Onyx não usou os "interesses dos trabalhadores" como justificava para a implementação do sistema de capitalização, como o governo vinha fazendo até aqui. Deixou claro que é para o poder econômico ter acesso a esses fundos poupados pelos trabalhadores. O sistema foi, desde sempre, o verdadeiro sonho de consumo de Guedes e de dez entre cada dez bancos e instituições financeiras, que teriam acesso a um montante bilionário.

Vale lembrar que a polêmica previsão da capitalização foi retirada pelo relator da Reforma da Previdência, Samuel Moreira, após pressão de seus colegas deputados federais.

"Virá predominantemente como instrumento e alavanca de ampliar a poupança internar e trazer, vamos dizer assim, a libertação do Brasil do capital externo. Aquilo que o Chile já mostrou, que é o recurso para poder financiar o nosso próprio crescimento, gerações de novas tecnologias. É a Lei Áurea do Brasil na minha visão do Brasil econômico", disse Onyx Lorenzoni.

Entendo a preocupação do ministro com a poupança interna. Mas usar a Lei Áurea para isso é uma impropriedade. Primeiro, pela natureza da referência – a Lei Imperial número 3.353, tratava da exploração de trabalhadores pelo poder econômico da época. Mesmo com o excesso de sincericídios do atual governo, creio que a comparação soa mal. Segundo, pelo contexto – o presidente da República acabou de reclamar publicamente que as leis de combate ao trabalho escravo são muito rígidas. Terceiro, porque o próprio Onyx citou o Chile como referência – repetindo outros membros do governo federal, nos últimos meses, que simplesmente ignoraram o fato que a população de lá está possessa com o sistema de capitalização porque significou o empobrecimento dos mais velhos. Milhões foram às ruas nos últimos anos para protestar contra o modelo.

"A promessa foi de que as pessoas que contribuíam regularmente ao sistema de aposentadorias receberiam 70% de seu último salário. A realidade é que a mediana da taxa de retorno de todas as pessoas que participam [do sistema de capitalização] é de 20%", me explicou Andras Uthoff, professor da Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile e doutor em Economia pela Universidade de Berkeley.

E não só isso: "as pessoas que vivem somente com suas pensões passam de classe média à classe pobre quando recebem as aposentadorias uma vez que o subsídio do autofinanciamento é muito baixo. Depois de 40 anos, percebemos que o sistema de capitalização individual empobreceu os idosos no Chile." Andras também foi assessor de agências das Nações Unidas e de instituições internacionais, tendo sido membro de dois conselhos presidenciais para reformas no sistema previdenciário chileno e chefe da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).

Ele me deu um entrevista em Santiago, que foi publicada aqui no blog. Segundo ele, a transição de sistemas só foi possível graças à redução de direitos sociais. "O sistema chileno conseguiu bancar o custo da transição porque estávamos em uma ditadura. Era um capitalismo autoritário, um capitalismo de Estado. Ele teve que cortar gastos em educação, em saúde, em habitação para ajustar o custo. Ninguém questionou porque, afinal, era uma ditadura. Assim, o Chile é o único país que pode, geração após geração, ano após ano, ir pagando o custo de uma transição por meio de um ajuste orçamentário sustentável. Mas isso em uma democracia não pode ser feito porque você não pode chegar lá simplesmente e cortar esses tipos de custos."

Ele não é contra a existência da repartição convivendo com a capitalização em fundos privados para quem ganha bem e quer fazer uma poupança extra – como muitos já fazem de fato por aqui. Mas não substituir o sistema, como o governo Bolsonaro propõe para os novos ingressantes no mercado de trabalho. "Se você olhar para o que está acontecendo na Europa, os sistemas não são de capitalização, mas de múltiplos pilares. Eles têm uma base de proteção social, depois um sistema solidário em que se contribui para um fundo e só então um sistema de capitalização individual complementar."

Após às críticas diante dos resultados obtidos no Chile pelo sistema introduzido pelo ex-ditador Augusto Pinochet, o governo brasileiro correu para dizer, durante os debates da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, que os empregadores também contribuiriam para o caixa individual do empregado, mas com um montante menor do que é hoje. Mas não disse que, no Brasil, não são apenas trabalhadores e empregadores que contribuem para a Seguridade Social, mas também o governo tem a responsabilidade de aportar no sistema, de acordo com a Constituição Federal de 1988. Coisa que nem sempre fez.

Andras ressalta que a informalidade, a precariedade e a vulnerabilidade do emprego no Chile não foram consideradas no processo de implementação da capitalização. Consequentemente, muitas pessoas não conseguem carregar sua poupança porque não conseguem emprego regular. Voltamos à questão principal: geração de postos formais de trabalho, que é a base de tudo.

Vamos ver quais são as bases da nova proposta do governo. Mas um projeto como esse que nasce com o objetivo de alegrar mais bancos e o sistema financeiro do que trabalhadores nasce com um vício de origem difícil de corrigir.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.