Vantagem de Bolsonaro cai com menos WhatsApp e mais declarações violentas
Leonardo Sakamoto
25/10/2018 19h25
Duas hipóteses ajudariam a explicar a redução da diferença entre os candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad na pesquisa Datafolha, divulgada nesta quinta (25): uma redução na quantidade de disparos em massa de mensagens pró-Bolsonaro via WhatsApp e o impacto negativo de declarações antidemocráticas do candidato e de seu filho na última semana.
O deputado do PSL ainda lidera com 56% dos votos válidos, diante de 44% do ex-prefeito, mas viu a folga cair – na quarta passada, era de 59% a 41%. Isso reforça tendência apontada pelo Ibope na última terça (57% a 43%, diante de 59% a 41% na pesquisa anterior).
A primeira hipótese seria uma reação diante da reportagem de Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, que mostra a utilização de consultorias digitais para bombar mensagens negativas ao candidato do PT através do WhatsApp por parte de empresários, o que beneficiaria o deputado do PSL – que negou envolvimento e vem atacando violentamente o jornal desde então. O aplicativo de mensagens divulgou, na última sexta (19), que estava tomando medidas legais imediatas para impedir que empresas enviassem mensagens em massa pela plataforma e que bloqueado contas pertencentes a elas.
Mensagens de WhatsApp por si não mudam voto. Mas a retirada de contas que disparavam mensagens em massa significa a redução da hiperestimulação de parte do eleitorado. Campanhas envolvendo o disparo de grandes quantidades de mensagens no WhatsApp, espalhando desinformação, notícias falsas e spam, não têm objetivo de entorpecer o cidadão, ao contrário do que muitos acreditam, mas acender nele sentimentos, alguns dos quais bastante primitivos, como o medo.
Desde que não seja interrompido, um fluxo constante e massivo de imagens, vídeos, áudio e textos, retratando o adversário como o mal e o caos ao mesmo tempo em que vende o outro como uma solução de carinho e de ordem, tende a surtir efeito. A analogia mais próxima a isso é uma máfia que oferece segurança para o terror que ela mesmo espalhou. A população, ansiosa ou em pânico, atende ao chamado.
Quando o fluxo é interrompido, os alvos voltam a uma situação normal, esgotada, contudo, da hiperestimulação. Passam a ser alvo das campanhas convencionais e digitais de ambos os candidatos. Alguns tornam-se críticos àqueles responsáveis por provocar pânico e medo.
Não são as denúncias de que empresários pró-Bolsonaro estariam bancando milhões de mensagens para manipular a opinião do eleitorado que retiram votos e fazem aumentar a rejeição. Mas a redução do envio dessas mensagens – seja por intervenção do WhatsApp, seja por medo de investigação e punição legal – leva à desconexão de determinados públicos, levando à queda na intenção de voto ao deputado.
A segunda hipótese seria o aumento da militância antibolsonarista, engrossada pelo medo causado por declarações violentas do candidato e de sua família. Vale lembrar que ele tem sinalizado ao centro apenas do ponto de vista econômico, mantendo uma visão excludente no que diz respeito a direitos fundamentais, o que não é típico de candidaturas disputando segundo turno.
Essa militância não se confunde, nem de longe, com a militância petista. Parte significativa, aliás, deplora o PT, mas tem receio do que pode ocorrer com a democracia e teme pela própria dignidade e, em alguns casos de minorias vítimas de violência, sobrevivência. E elas estão nas redes e nas ruas para tentar reverter as intenções de voto. A rejeição a Bolsonaro, segundo o Datafolha, subiu três pontos, indo a 44%. E a de Haddad oscilou entre 54% e 52%.
No domingo (21), Bolsonaro deu as declarações mais violentas de sua campanha (até agora) quando avisou que irá banir opositores. Em um depoimento transmitido a apoiadores que estavam em um ato na avenida Paulista, em São Paulo, prometeu "uma limpeza nunca vista na história desse Brasil" após eleito. "Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil", afirmou. "Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria." Uma versão atualizada do "Brasil: ame-o ou deixe-o" da ditadura militar.
As declarações foram dadas logo após a repercussão de um vídeo em que Eduardo Bolsonaro (PSL), deputado federal mais votado nestas eleições e filho do presidenciável, afirmou que "para fechar o STF basta um cabo e um soldado". Perguntado sobre a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal impugnar a candidatura de seu pai, questionou a força da instituição e insinuou que militares poderiam agir contra os ministros. As declarações foram dadas em palestra em Cascavel (PR), no dia 9 de julho, e viralizaram na rede também no domingo. Jair tratou o caso como o erro de seu "garoto", como chamou Eduardo – que pediu desculpas.
Na terça, Jair Bolsonaro chamou de "coitadismo" as políticas de cotas em entrevista à TV Cidade Verde, do Piauí. Na sua opinião, ações afirmativas – instituídas para compensar desigualdades estruturais de determinados grupos sociais – reafirmam o preconceito e dividem a sociedade. Disse que a maioria dos negros que entram na universidade estão "bem de vida", portanto, a política estaria equivocada. "Isso não pode continuar existindo. Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Vamos acabar com isso."
Não é a primeira vez que ele critica as cotas. Em julho, durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, por exemplo, afirmou que elas dividem o Brasil entre brancos e negros. Na ocasião, questionado sobre a forma que pretendia reparar a dívida histórica da escravidão, respondeu: "Que dívida? Eu nunca escravizei ninguém na minha vida".
Some-se a isso a repercussão de casos de violência cometidos por apoiadores de Jair Bolsonaro, incluindo agressão e assédio a jornalistas, em número muito superior ao dos simpatizantes de Fernando Haddad, além dos relatos de censura a professores e estudantes.
Tudo isso pode ter contribuído para o impacto negativo junto à sua imagem. Entre os jovens de 16 a 24 anos, Haddad aumentou de 39% para 45% e Bolsonaro caiu de 48% para 42%. Entre os que ganham mais de dez salário mínimos, o ex-prefeito cresceu oito pontos, mas segue perdendo para Bolsonaro, por 61% a 32% dos votos totais.
Outra ação, desta vez do Facebook, também deve ter algum impacto. A plataforma removeu na segunda (22) uma rede de 68 páginas e 43 perfis na rede social, pertencentes a Raposo Fernandes Associados, que apoiavam o candidato do PSL, por violação das regras da comunidade, especificamente das políticas de autenticidade e spam. Entre as páginas retiradas, segundo o Facebook, estão Folha Política, MCC – Movimento Contra Corrupção, Correio do Poder, Política na Rede, Portal Curió, Humor 13, Gazeta Social, Ficha Social e TV Revolta. Elas não foram removidas sob a justificativa de propagar desinformação, apenas de uma parte delas ser acusada, há anos, de circular notícias falsas.
As hipóteses demandam confirmação, mas são melhores do que as teorias conspiratórias apontando fraudes envolvendo os grandes institutos de pesquisa, o Tribunal Superior Eleitoral, bilionários estrangeiros, as mídias nacional e internacional e, claro, a "Ursal", o "Foro de São Paulo" e os Illuminati que circulam em grupos de WhatsApp – área na qual o deputado do PSL ainda reina soberano, com milhões de seguidores orgânicos.
Pesquisa é fotografia de um momento. A imagem de hoje é que Bolsonaro ainda será eleito no dia 28. Isso, contudo, acenderá seus apoiadores e os de Haddad, ao mesmo tempo que antipetistas e antibolsonaristas. Preparem-se para uma grande quantidade de chorume circulando on-line, transbordando violência para fora da rede, até domingo. E, dependendo do caso, depois dele também.
Post atualizado às 20h15, do dia 25/10/2018, para inclusão de informações.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.