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Leonardo Sakamoto

Cinco razões para a mais recente escalada de destempero de Bolsonaro

Leonardo Sakamoto

30/07/2019 03h41

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em 11 dias, Bolsonaro defendeu o nepotismo; disse que a fome no Brasil era uma "grande mentira"; atacou o Nordeste; difamou a jornalista Miriam Leitão; afirmou que dados de satélite mentem sobre o aumento no desmatamento da Amazônia; defendeu censura à Agência Nacional de Cinema; atacou a repórter Talita Fernandes que questionou o porquê dele ter levado parentes ao casamento do filho em um helicóptero da FAB; ameaçou prisão ao jornalista Glenn Greenwald e agrediu seu companheiro e filhos; menosprezou o respeito ao meio ambiente, dizendo que apenas veganos se importam com isso; e brincou com a dor alheia ao dizer que poderia contar ao presidente da OAB o paradeiro de seu pai, Fernando Santa Cruz, preso e torturado pela ditadura e desaparecido desde 1974. Diante da repercussão, refugou como sempre, dando outra declaração – de que ele foi morto por organizações de esquerda. Nos registros da Comissão da Verdade, ele foi morto pelo Estado.

Sabe-se que esse é o Bolsonaro real, o Bolsonaro-raiz. E ele não é um estelionato eleitoral, como já disse neste espaço, mas é, grosso modo, aquilo que prometeu.  Após assumir, o presidente tentou usar a fantasia de "paz e amor". Mas claramente não se sente tão confortável nela quanto nos momentos em que resolve se despir de qualquer laço que o conecta à civilização. Por que o rei bradou nu nestes 11 dias? Aqui, há cinco possibilidades:

1) Ele está aproveitando o período de recesso do Congresso e do STF para ocupar o maior espaço possível no debate público e dar um reforço de sua existência não apenas na memória dos eleitores, mas também na população em geral. Para tanto, a cada dia estabelece uma nova marca na corrida do absurdo, habitando continuamente as homes pages do jornalismo e os trending topics das redes sociais. É o nível avançado do "falem mal, mas falem de mim". Vender-se como "sincerão", contestador, independente do conteúdo, atrai a atenção de determinados segmentos sociais.

2) As declarações podem esconder indicadores negativos ou fatos com maior potencial de dano junto à opinião pública – como o caso de usar um helicóptero das Forças Armadas para transportar os parentes para o casamento do filho para o qual o contribuinte que pagou o combustível não foi convidado (vale lembrar que isso já aconteceu com outros políticos, do PT ao DEM, mas o presidente gosta de dizer que pertence à "nova política"). Ou dificultar o aprofundamento do debate público sobre a indicação do próprio filho ao cargo de embaixador nos Estados Unidos por simples questão de parentesco. Ou nublar a discussão sobre a privatização da BR Distribuidora, que aconteceu e pouca gente viu.

3) Aberrações tendem a ser produzidas para servirem como cortina de fumaça e esconder atos do governo, como decretos, portarias e nomeações publicadas na surdina e que beneficiam uns em detrimentos de muitos. Convém, portanto, que após um pacote de declarações violento, mentiroso ou criminoso, o Diário Oficial da União seja consultado. O problema é que as redações, não raro, não têm jornalistas o suficiente para cobrir o impacto dessas aberrações, questionar por que o governo não apresentou ainda um plano nacional para gerar postos formais de trabalho e outro para reduzir a violência, investigar escândalos de laranjais envolvendo o partido do presidente, procurar onde está o Queiroz e ainda por cima ler minuciosamente o DOU.

4) Bolsonaro aprofunda o estado bélico de sua comunicação, apostando em uma guerra prolongada para manter seu um terço de apoiadores fiéis unidos contra o "inimigo" – feito seu ídolo, Donald Trump. Inimigos são rotulados de "comunistas". Abrangem parlamentares – aliados ou adversários – e ministros do STF (os freios e contrapesos ao poder presidencial), além de jornalistas, artistas, professores, estudantes, movimentos sociais e qualquer um que critique sua política medieval em costumes e comportamento. Com isso, sua base lutará contra Moinhos de Vento (das mamadeiras de piroca, passando pelas Golden Showers aos kits gays), enquanto Dom Quixote passa pano para o filho senador que não presta esclarecimentos ao Ministério Público sobre suas movimentações atípicas.

5) "Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia." (Declaração do ministro Luís Roberto Barroso, em sessão do Supremo Tribunal Federal. Foi dirigida apenas ao ministro Gilmar Mendes, em 21 de março de 2018. Mas dizem que é atemporal e multiuso.)

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.